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Qui, Abr

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Cláudio Veras

Especializei-me (horas de intervalo de aula e frios fins de semana de Heidelberg, nos últimos 15, 20 anos (a fio), em ler e defrontar, como se eu a escrevesse, a poesia de Vital Corrêa de Araújo (VCA).

Como fuzil disparando sintagmas, petardos (a torto e a direita, mais a torto) de palavras, como obus detonando o fólio, o imaginário em explosão, incêndio de imagens alastrando-se página abaixo, a poesia vitaliana (no rastro de S. Joachim e Admmauro Gommes confirmou isso) é severa. Inovadora. Amara. Posto que doçura ou delicadeza não a atraem. Nem ela despede. Ela (a poesia padrão VCA – como espetacularmente o erudito professor superior de literatura, Alberto Frederico Lins Caldas demonstrou, via horror) detesta o casto e a clareza. Ama o anômalo, a assimetria do sentido, a ambiguidade total. Daí ser, conformar, revestir uma poética de difícil digestão pelo leitor comum (e dispéptico ou sonetínico, para não dizer cínico e rimar) porque crua. Ou mesmo indigesta por natureza e (in)definição.

Cláusulas quase irrespiráveis de desordem, incisos ambivalentes, parágrafos sem ventre, gestos de licor ávido de bocas (in)diferentes, imagens enlouquecidas, posições féticas (nada fático), ânsias enfáticas desse não fático quase absoluto (porque a VCA os acontecimentos, como a Valéry, aborrecem); situações sintéticas nuncavistas antes, tudo induzido a nada brota desse verbo de barro. Eis, em síntese “concisa”, a poética de VCA posta na bandeja da página. Assim, VCA resolve as inusitadas situações das palavras com que se defronta. E as salva do martírio da uniformidade e da sina unívoca, extraindo delas o espírito filológico e vivacidade histórica de que se revestem ou trazem em seu longo curso no rio dicionário do mundo humano.

Há, porém, uma resposta ou efeito no leitor paciente dessa conflagração da palavra enlouquecendo, que é a poesia de VCA.

Verazmente ambígua e exatamente condensada em forma de sintagmas necessários (e simultâneos), presa de uma cadeia de enumerações que o caos ordena é tal poesia. Uma como que quase volúpia brota dela. Dessa usina verbal, que demiurgo vital opera. É uma alteração da posição fética da alma e do soma. Uma espécie de dupla remissão orgânica e psíquica ocorre nela (nessa poesia desconstruindo-se e vitoriosamente edificada), percorre o circuito mortal da palavra (desde suas fontes filológicas originais), como se ensaiasse sempre uma cerimônia de incineração do sentido. Como se não detivesse nenhum deus retórico ou prosaico. Como se o vivo dependesse do verbo encarniçado (ou novamente encarnado) na página.

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Murilo Gun

 
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