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Qui, Abr

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O poeta dá literalmente às costas para a vida (cotidiana, ordinária, usuária, animal em suma) e volta-se ao mundo da indefectível beleza num hausto humano vital.

O poeta apanha resto de humanidade que há em cada época e recolhe esse despojo (estético). Próprio do ser e sobrehumaniza-se.

 

Até certo ponto as poesias de Baudelaire e Mallarmé, mutatis mutandis, guadavam proporções semelhando-se, porém a partir de 1865, Mallarmé sentiu que não lhe bastava refúgio num mundo ideal mesmo que exótico que a beleza lhe proporcionaria, não o satisfazia somente buscar aleatoriamente solução intelectual para preencher os seus anseios.

Defrontado com o nada (o velho e bom Néant e Rien franceses), o poeta cujo lance de dados não aboliu o acaso concluiu que para além do mundo real nada há (ou há nada) senão o vazio do nada. E que “le Rien est la verité”.

O vazio do nada esplende, preenche, completa. Verte-se – como rio infinito – o vazio do nada, o deserto de si, “em mim, no todo, no mundo, no homem”. O claro do luar de diamante hipnotiza, seduz, afaga. O sol é apenas uma ilusão, um efeito, um processo cujo ato vital é o claro da lua. (A verdadeira, expectante, ambígua mas real, sugeridora, esmaecente e exata luz da vida.

Movido a Hegel, traçou bem a questão da realidade que o ser humano (estético) busca, constituir ou não no racional... e num salto dialético à conclusão magistral – e poética vital, de que “o mundo ideal (e real para ele) está oculto no vazio total e que o infinito está todo contido no nada.

Sendo, com efeito, função do poeta, pois, desprende-se dessa casca ou pele real-aparente, desvencilhar-se desse obstáculo da alma mundana, viciada em imitação ibibelos do espírito, prazeres carnais e belezas fáceis, para encarar-se estética e filosoficamente. E ser assim consequente na poesia, à distância do outro que não está à altura do próprio eu poético. O je est um autre, de Rimbaud.

Desde então, o poeta para ser poeta consequente e coerentemente poeta necessita subtrair-se a todos os contatos, elos, laços com a realidade (aparente, comum, cotidiana, em suma ordinária) e encarar o real e vital vazio dentro de si próprio. Assim, para dentro do si poético convergirão e se cristalizarão as formas ideais do mundo infinito (dentro e fora de nós ao mesmo tempo, simultaneamente espaço íntimo e público – ou publicação de íntimo) contidas tais formas infinitas no nada. Que é tudo.

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Murilo Gun

 
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