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 Desde Título provisório, cuja publicação em 1979 decorreu de brinde do prêmio literário em Natal-RN (além do fundo financeiro), tive o insigt da poesia moderna (ou remoderna, como tachei à época), causo que já contei outrora.

            Com Burocracial, com dois ou três prêmios, Poemas de areia e Gesta pernambucana, também conquistadores de prêmios, este de prêmio nacional, que me possibilitou a comprar de um volks novo, afiancei o sentimento da flutuação do significado. Depois, em 1992, descobri. Tynianov e sua teoria de Os traços flutuantes da significação no verso (capítulo 2 do livro O Problema da Linguagem Versificada).

            E, daí, o problema do mau sentido e das terceiras intenções que incorporei a minha teoria da Poesia Absoluta.

            Há uma boa distância entre significatividade geral (genérica) e significatividade (específica) no verso, o que a grande maioria dos nossos poetas não sabem, porque são práticos do verso e não alicerçam sua práxis na teoria literária de ponta. Só na de João Ribeiro e Bilac.

            O poema absoluto é rechaçado de pronto, de testa é um poema difícil... e não quer dizer nada, então...

            É fácil ílimo escrever “poema” fácil... mais sendo com o facilitário da rima, que dá o norte do poema. Poema Absoluto é desagradável escrever, como o é lê-lo.

            Poema, como algo dito, comunicado, e sem nenhum (mesmo) encanto autônomo, em si, é relese. A expressão poética independente do objeto, desligado do referente (o mundo, o eu romântico, apaixonado, triste, sentimental que sou etc, é prestes).

            Daí, alguém disse: se queres ser um bom prosador, escreva versos. Em versos, é agradável expressar bagatelas rimadas, palavrório contado, descrições de amor corporal ou não. Parafraseio Yuri Tynianov, conforme notas do livro dele que li em castelhano, na biblioteca da UTAL (Universidade dos Trabalhadores da América Latina, na Venezuela). Por isso, exacro aquele poema bem dito, em que cada palavra certinha e contada, silabicamente uniformizada, revestindo-se de “alta” significatividade, adquirindo valor de pensamento orgulhoso.

            Tynianov é meridiano: é vital, para a poesia, “o encanto independente do objeto”.

            Costumo repetir: poema não diz nada, nem pode fazê-lo, todo poema é indizível, é do âmbito do indito (ou do mau-dito, para certo leitor). Dizer é prosa ou prosa é para dizer, poesia não. A não ser prosa versificada, que é o que se faz (campo da poesia relativa, elementar, do dito).

            Daí, fuzila Goethe: “Para escrever em prosa, é preciso ter algo a dizer, alguma coisa em vista, referenciada. Quem não tenha nada a (ou para) dizer, faz poesia”. “Nesta, uma palavra chama a outra (CDA) e resulta finalmente não se sabe bem em quê. Ou o que resulta. Porém, é algo que, decerto, não significa nada (mas parece significar outra coisa): é poesia”. Se há tom trocista, há também uma verdade embutida nele, no imenso Goethe.

            É que, em poesia, o processo criador é básico, vital, fulcral. Não há pensamentos a objetivar, o próprio processo de criação poética dispensa a comunicação, o objeto comunicativo (que é do campo da prosa e interrompe o poema).

            “Para escrever (em) prosa, é preciso ter alguma coisa a dizer” enfatiza Goethe, em carta a Eckermann.

            Em suma, diz Tynianov: a questão (o busílis) da poesia está na palavra, em sentido lato, desprovida de conteúdo, intencional ou não.

            Novalis, que para mim é gênio, dizia que poesia, isto é, as palavras (narrativas sem nexo) do poema dispensam coerência e sentido (em prol de algo maior esteticamente). Parece forte dizer que poesia é o resultado das palavras desprovidas de conteúdo, mas isso é a verdade, mesmo que doa.

            É que se espere das palavras–em–poemas menos representações e mais apresentações de fatos, atos, objetos do mundo, da vida, do ser.

            Se leitor espera do poema a representação de algo (do mundo, de sentimentos, de acontecimentos – que aborreciam a Valéry), é melhor ler prosa (em verso).

            Abandone (tal leitor) toda perspectiva ingênua (e psicológica) do entendimento do “dizer” poético, de qualquer relação positiva ou útil que se finque em associações emotivas simples relacionadas às palavras ou que nelas existam de referencialmente atadas a emoções pessoais (do poeta e do leitor). O único que permanece nessa selva de relações é o correlativo objetivo de Eliot. Tal predisposição do leitor a entender pela alma é nociva:

            Afirma Tynianov que os sentimentos subjetivos comuns exercem papel de segunda ordem na poesia. Só sentimentos objetivos e mesmo assim sob égide da indeterminação vital.

            O sentimento que leitor de poema absoluto tenha de que “embora não se tenha dito nada, parece que se disse algo” é real e provém dos traços flutuantes da significação poética.

             

Murilo Gun

 
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