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Posso dizer que não sou um poeta inclassificável (totalmente). Cognomino-me expressionista órfico. Desde que fui a Alemanha, a primeira vez, em 1988, quando passei vários meses, comecei a pesquisar o expressionismo literário alemão, graças a uma professora brasileira que morava em Dusseldorf.

Produzi um ensaio de 20 páginas sobre os anos expressionistas. E sou um pouco íntimo da poesia de Franz Werfel, Heym, o divo Trakl, Stefan George, o introspectivo Kafka (também poeta), Strindberg (e seu teatro trágico-lírico), Benn, de Morgue, Jacob Hoddis, Stadler, Stramm, Lichtenstein, Walter Hasenclever, entre outros. Quase todos morreram ao longo da 1ª Guerra, antes dos 25 anos.

Para qualquer aproximação ao expressionismo poético, e imperioso saber que “tudo o que seja mecânico não tem expressão”. A grande maioria dos sonetistas (que não são poetas na acepção estética moderna)são só versificadores mecânicos, porque a forma é estaque e limitada.

O expressionismo moderno (do século XX) é singular e se alicerça na necessidade do (pintor, músico) poeta se expressar sem restrições, sob o móvel do instinto ou da imaginação: Há uma premente necessidade de expressão artística, sem obediência a qualquer limitação formal, gramatical, sintática. Principalmente qualquer tipo de escansão versificatória. A obra de Nietzsche é puramente expressionista, em seu modo de expressar-se e na forma da expressão, tipo declarações irracionalistas, elevação da linguagem até a exacerbação etc.

Se você – como poeta – confia sem exceções, sem restrições, sem limite na expressão direta do ser, tal como seja na vida, no comportamento, na visão do mundo, você é um poeta moderno.

Que utiliza o poder da imaginação (direto da alma), sem intermediação da razão, ou melhor, sem a mediação e a interferência da racionalidade, que é viciada e treinada para manter poderes sobre e subumanos. Que defenestra qualquer decoro formalista, que impeça o imaginário, que barre a ação criadora (ou o ato expressivo).

A emoção do poeta moderno é instintiva, não é romântica, sentimental, vulgar, normal. O poeta novo, consequente com seu tempo, contemporâneo de si mesmo, expressa o sentimento do id, nada do ego. Daí, Van Gogh dizer que nele “as emoções são tão fortes que não sinto estar trabalhando”. É o mesmo que a possessão ou o “entusiasmo” de Platão. Não é um você que faz o poema, é o seu todo, a sua sombra, o seu ser. É o tudo humano que é poeta. O transbordamento da realidade, a fluência da espontaneidade, a expressão irreflexiva, o ilimite expressivo, o ser intuitivo e não meramente lógico e o desprezo absoluto a modelos prévios esvaziadores da imaginação são condições essenciais, necessidades vitais da poesia hoje.

A intensidade da expressão é o que funda o poema moderno, a espontaneidade da escrita sem liames prévios, amarrações (de rima v.g.), a exacerbação do transbordar, sair de si, para melhor se ver por dentro. O id externo, isto é, saindo do si onde é internado. O transbordamento (ou o ato de entusiasmo) do poeta deve ser espontâneo, para ser livre, e nunca programado. Tipo ditado pelo acaso.Ou como ditame do acaso: não é nada casual, mas acasional.

A “mecânica” de expressionismo artístico era descrita como um processo de “espremer a emoção para fora do seu recipiente original, a alma humana, porém um espremer para dentro de seu novo recipiente, a obra de arte, completa o poeta e pintor expressionista IwannGoll.

O poema absoluto é neopossexpressionista e é a expressão da turbulência emocional do poeta, do congestionamento verbal, do exorbitar livre do imaginário transbordando da alma à lauda da palavra (rimbaldiana).

Em síntese, sentimento profundo e expressão intensa amalgamam-se. O poema como produto de uma tensão meditativa (não reflexiva). Todo o sensível da vida e do mundo toma a forma poesia absoluta. Não há representação, porém apresentação livre, diretamente esfingética, claramente escura, nitidamente hermética, na PA.

O poema que não copie, descreva, reflita ou diga o sentimento (isto é, vomita qualquer verborragia simétrica, de sílabas contadas ou arrumadinho de rimas)é absoluto. Porque opera no sentido de reagir à realidade viva com a expressão verbal.

A “mensagem” é a incompreensão criadora (e dinâmica, que, inclusive, dinamiza a mente). Um poema deve conter, trazer, ser um (ou dois) infinito de significados (ou transportar infinitos sentidos – simbólicos ou não – inesgotáveis).

Ou seja, a recepção da poesia absoluta é a mais livre possível, tão livre (para o leitor, claro) quanto a imaginação do poeta. É osomatório dos imaginários que tem como resultante o “momentum da catarse da leitura ativa”. Imaginações francas, abertas, intimas, impessoais e arquetípicas.

A forma de poema não pode ser fixa, nunca, determinada previamente, estabelecida a priori, em PA. “Vou escrever uma ode, um idílio, soneto etc é ridículo. A forma poética varia com o ritmo da imaginação, que é a respiração do poeta.

O mundo interior do poeta pode ser apenas vivido, não descrito. Expresso, não representado.

Só a emoção (natural) não existencial é válida em Poesia Absoluta. Emoção verbal, da palavra, não do poeta, como pessoa. Nunca do individuo, mas do ser coletivo.

Em suma, o poeta do século 21, para ser moderno e consequente com sua contemporaneidade, deve desvencilhar-se de quaisquer restrições,liames ou limites ou convenções gramaticais ou tudo o que cerceie, empaque, represe, sofreie a imaginação humana, que é tudo o que temos de realmente humano.

Nota: VCA é inclassificável como poeta, porque a sua poesia não tem classe, no sentido dos clássicos poetas do século XXI. Portanto, VCA, real, exata e felizmente, não tem classificação nenhuma.

 

Murilo Gun

 
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