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Qui, Abr

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Maria  Luiza C. Condé

   “Recebi  um  exemplar  de  BUROCRACIAL,  livro  de  poemas  de  Vital Corrêa de  Araújo, pernambucano de Vertentes, bacharel  em Direito  e funcionário público, por necessidade de garantir o pão-de-cada-dia.

O  Brasil  é  tão  grande,  vivo  há  tanto  tempo metida  na minha  funcionarice pública  que,  confesso,  não  conhecia  Vital.  Não  o  conhecia  e,  sem  dúvida,  não conheço Pernambuco  literário de hoje.  Foi, pois, um prazer retomar contato com o novo mundo das  letras do Recife  através do poeta de Vertentes. Prazer duplo: por Vital  e  sua poesia  e por  voltar  a  conviver  com  a  literatura pernambucana,  e  tomar conhecimento da  geração  surgida  após  a morte de  José Condé.  Sim, porque  a  casa de  José  Condé,  em  vida  do  escritor,  se  constituía  verdadeiro  consulado  de Pernambuco,  consulado  que  recebia,  acolhia  e  amava  os  jovens.  José  Condé  os estimulava  e  neles  se  projetava  e  projetava  o  futuro.  Eu  tinha  oportunidade  de conhecer  todos  e  de  acompanhar  suas  trajetórias  no  árduo  caminho da  ascensão.

Agora,  o  contato  com  Vital  deu-me  a  retomada  com  o  Recife  e,  como  Vital, “deduzo”,  “aquilato”,  “penetro”,  “disseco”  e “navego” o Recife poético dos anos 80. E note-se que o  escritor não  é  estreante.  Seu primeiro  livro, editado pela Fundação José  Augusto,  do  Rio  Grande  do  Norte,  publicado  em  1978,  TÍTULO  PROVISÓRIO, obteve o prêmio de poesia Otoniel Menezes, da Prefeitura da cidade de Natal. “Vital recebeu outros prêmios em concursos  literários.

Tenho  uma  grande  confissão  a  fazer.  De  saída,  impliquei  com  o  título, Burocracial.  Achei-o  um  tanto  cacofônico.  Mas,  à  medida  que  ia  lendo,  sentia  o impacto da poesia de Vital e, tomando emprestado a Emily Dickison um critério, por ela utilizado para  afirmar  se  estava ou não diante de um poema,  senti que  estava, pois, ao terminar a  leitura da maioria dos poemas do  livro de Vital,  “sentia como se o  topo  da minha  cabeça  estivesse  sendo  arrancado”.  Estou  diante  de um poeta  e Vital escreve poemas.

“É  ingenuidade  pensar  que  o  verso  livre  não  está  gerido por  convenções. O verso de  livre não tem nada, ainda que a divisa estrófica errática e a rima esporádica levem  a  tal  suposição.  Se, por um  lado, o  verso  livre rompe com padrões métricos, por  outro,  apresenta uma  compensação  rítmica,  através das  repetições de  frases  e formas  sintáticas,  anáforas,  aliterações  e  assonâncias.  Muitos  entendem  a expressão  “verso  livre”  em  seu  sentido  literal  e,  ao  exercerem  inadvertidamente essa  “liberdade”,  cometem  atrocidades  poéticas,  de  modo  que  há,  hoje  em  dia, grande quantidade de verso  livre da pior qualidade”.

 “Mikel Dufrenne,  em  seu  livro  “O Poético” (Editora Globo, 1969, tradução de Luiz  Arthur  Nunes  e  Reasylvia  Kroeff  de  Souza),  comentando  a  necessidade  dos poetas  se  submeterem  a  regras, “a menos que se entreguem sem reservas à escrita automática”,  transcreve  a  seguinte  observação  de  T.S.  Eliot:  “Somente  um  mau poeta  poderia  aclamar  o  verso  livre  como  uma  libertação  em  relação  à  forma.  O verso  livre  foi  uma  revolta  contra  uma  forma morta,  e uma preparação para uma nova  forma  ou  uma  renovação  antiga;  insistiu-se  sobre  a  unidade  interior  que  é peculiar a cada poema; contra a unidade exterior que é apenas  tópica”.

A  propósito  do  domínio  da  forma,  Álvaro  Lins  escreveu que  a poesia não  é privilégio de ninguém, pois “ela se acha em toda a parte e no  interior dos homens”. “O  que  é  privilégio  do  poeta”,  disse  Álvaro  Lins,  “é  a  obra  poética  realizada, esteticamente  construída.  E  não  se  deve  esquecer  que  a  obra  poética  representa uma  obra  de  arte,  exigindo,  nesse  caráter,  um  instrumento  de  expressão,  uma forma  literária,  portanto.  Não  havendo  forma,  não  existe,  pois, uma obra poética, não  existe  um  poema.  Pode  existir  apenas  a  poesia, mas  sem  a  capacidade de  se exprimir,  sem  a  capacidade  de  se  comunicar.  E  comunicar-se  representa  uma missão  da  poesia,  representa  uma missão  do  poeta”.  (Álvaro  Lins,  “O  Relógio  e o Quadrante”,  Editora Civilização Brasileira,  1964).

É  justamente  essa  exigência,  essa  atenção  com  a  forma que  se percebem na poesia de Vital:  “perder, o cargo da vida, as cangas, as cruzes, as alegrias, perder os trabalhos  e  os dias...  versos  de Morrer  ou  “contorso  o  fogo  fala,  ri  clama,  esguio grassa,  discursa  ágil, na  exata,  dicção  da  brasa,  eloqüente  se  espalha,  cresce  se alastra, solta secas serpentes  longas chamas (Cidadão  Incêndio).” Guardem  este  nome:  Vital  Corrêa  de  Araújo.  Pernambucano  de  quatro costados, funcionário público por garantir, poeta por fé, de oficio e por saber dizer a poesia que  está no mundo, no  sol, na dor, na  rotina, na  alegria, nos pássaros, nele próprio. Viva Vital!

 

(Jornal de Letras – Rio/RJ)

Murilo Gun

 
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