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A lírica hodierna exige o predomínio do implícito, protagonismo do imaginário (tanto do poeta quando do leitor). Exige mesmo (e incita e induz) a perplexização absoluta do leitor (da lírica moderna, da poesia absoluta).

            O grande crítico mexicano Amado Alonso afirmou que Neruda em Residências é hermético, ou melhor absoluto. Alcançou o chileno o absoluto lirismo. E como tal, por efeito, é hoje poeta maior. Alcançar a hipercomplexidade lírica - de que fala Marcondes Calazans e de que se constitui a melhor poesia – é tarefa vital do poeta neoposmoderno.

            As duas residências nerudianas (domicílio etéreo), toda a obra máxima de Lezama Lima, Perse, Eliot, Cioran, Aleixandre, Quasímodo (Salvatore nobel), Augusto dos Anjos, Blake, Jorge de Lima de Invenção de Orfeu, CDA, João Cabral, Murilo Mendes, César Leal, Bandeira, Mauro Mota, Rogério Generoso, Admmauro Gommes e outros (como o haicaista Osman Holanda) são (obras poéticas) de máxima pureza e complexidade épica... e a reação do leitor ante elas é de luta ou fuga, aceitação ou rechaço. Exige leitura, além de instintiva, reflexiva, superior, analógica, sinestésica, dialética. Leitura digital e quântica.

            A mera potencialidade da mais mera ainda comunicação esvai-se em direção ao poema absoluto, que dissolve a informação, como traste. TD.

            Porém, continuo dizendo. 

            A lírica hoje é plena de sinestesias frenéticas galopando caudalosamente na hara da página, como se fosse mortal picadeiro de acrobacias verbais (ou coros hípicos).

            Quantas léguas de águas sejam não bastam para salvar (ou afogar) a palavra.

            É imprescindível a quem imponha-se como poeta neoposmoderno dar adeus aos mecânicos esquemas (anacrônicos e obtusos). E sobretudo dar adeus a palavras velhas (e cansadas) de significado preciso, inabalável.

            E sempre batalhar com a árdua sintaxe.

            Exemplo:

                        A fruta da luz

                        da árvore do sol

                        manhã bebe

                        e pássaros bicam.               

 

O meio-dia é pleno de sombras solenes

                        que do trote da luz se geram

e deixam sulcos no rosto da palavra.

 

Vem do sal convulso o lirismo moderno.

E do rumor do coito absoluto

do poeta com a palavra, no lençol da página

vêm o meio dia e o poema.  

           

            É função, pois, do lírico d’hoje desbaratar toda ordem e derrubar toda a superestrutura gramatical que impeça a poesia. Iniba-a ou desarme com rimas.

            E a apoteose cansada do hipócrito pretenso poeta vai literalmente à lona. Ou leitor é nocauteado ou é dele o nocaute. Dilema impotente.

            Finalizo citando o imenso Lezama (tema do dossiê da revista URUBU em edição).

            “Creio que a maravilha do poema é que chega a criar um corpo, uma substância resistente encravada entre uma metáfora, que avança criando infinitas conecções, e uma imagem final, que assegura e alicerça essa substância, a POIESIS”.

            De um sal a outro, de um verbo a outro (que é o mesmo) se faz poesia absoluta.

            Advém de um modo oblíquo de ver a vida a ubíqua poesia do século 21. Sempre buscando singularidades irrepetíveis. E irreversível trânsito para o futuro da palavra.

Murilo Gun

 
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