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VCA

                 A forja do mundo moderno (aquele que se alicerçou desde Grécia, Roma, Idade Média e engravidou o futuro, que é o agora) foi instalada no distante século XIV (o prenúncio das grandes navegações já ativo).

                A sociedade feudal (tão arrumada, bem estabelecida, persistente), os barões e os servos de gleba, toda a estrutura sócio-econômica-cultural da sociedade feudal (medieval) foi colocada em cheque (mate a médio prazo) pela ascensão da classe comercial e dos seus financiadores, os banqueiros de cuja inversão de capital brotaram as navegações e descobertas (inclusive do novo mundo, a América), empresa de alargamento das fronteiras comerciais do mundo financiada pelos banqueiros (dos países baixos) holandeses (e italianos, das várias e opulentas cidades-estados).

                Com o advento da poderosa classe dos mercadores, a feudalidade ficou em segundo plano, houve a perda (ou poda) de poder, o protagonismo dos barões feudais pendeu, fragilizou-se e crescentemente começou a desaparecer.

                A aliança da classe comercial emergente com os soberanos fez frente ao poderio quase absoluto do baronato, porém, embora perdessem parte das imunidades e maior parte ainda dos privilégios, os senhores feudais, os latifundiários da época, não foram suprimidos, sobreviveram em meio a uma instabilidade (política, econômica, social) a que se expuseram. O diferencial (e razão dessa redução de poder e de imunidade) foi a pólvora (e a moeda, ainda mais violenta). De alcance muito (muito) maior que as varas e hábeis espadas (e o escambo). O que tornou insustentável a cidadela e por efeito o poder encastelado, ou melhor, enraizado nos Castelos, ao lado das igrejas e dos mosteiros, parte integrante e vital da paisagem medieval.

                O povo medieval, a classe média (digamos), o laicato e camponeses ricos não sabiam latim, a língua universal, complexa, falada na Idade Média.

                Em especial, a Itália (ou o que depois de 400 anos se chamaria Italía e muito mais – isto é, o que veio do veio da civilização romana (e grega por consequência), palco do Renascimento, ululava, isto é, latia em latim, a língua aristocrática, da elite eclesiástica feudal, do Castelo e do Paço.

                Ai surgiu o fenômeno Dante, que – com a Divina Comédia, popularizou o latim vulgar e praticamente criou um novo idioma, possibilitando assim que todos pudessem universalmente falar e escrever (através dos romances). A acessibilidade da palavra escrita (com a Imprensa-Gutenberg, mais difundida ainda em escala exponencial) foi crucial ao desenvolvimento dos negócios da participação popular (da difusão maior da palavra religiosa, leitura da Bíblia) e portanto da progressão dos acontecimentos em direção ao mundo moderno (conforme a escala: pré-história, antiguidade, Idade Média, modernidade e contemporaneidade). E isso deixou-se, de certo modo, à palavra poética (realmente poética) de Dante Alighieri, o fenômeno.

                Ao longo da Idade Média – campo (e caldo) de cultura do misticismo, da ascese, dos mistérios, do sigilo (inclusive na acepção numismática), do oculto (exotérico e esotérico) e sobretudo do sentimento religioso radical; o protagonismo do pensamento cristão (católico), a verdade religiosa, filosoficamente justificada (ver o tomismo), a força doutrinária (e mesmo militar) dos padres foram influenciando a arte, as ciências a poesia, etc. Somente após-Dante e a disseminação do latim vulgar, com a formação dos romances, é que ressurgiram os ideais seculares. (Boccacio, Petrarca etc), em detrimento das concepções e tradições clericais que predominaram por mais de 1.000 anos.

                Enquanto por toda a vasta (e bem tramada culturalmente) Idade Média prevaleceu o pensamento deísta católico, do Renascimento em diante os pensadores se voltaram ao próprio umbigo e refletiram sobre o homem, em primeiro lugar, antes de Deus.

                O racionalismo fideísta inerente à Idade Média (herança da cultura bizantina), como superestrutura ideológica, comum às monarquias, senhores feudais, comerciantes e banqueiros seguiu em frente.

                Surgiu então o movimento denominado humanismo. Movimento que fermentava – sempre sufocado pelo extremo fideísmo, e se consolidava, desde e através de Bacon (Roger), Duns Scotus (o próprio Aquino, o Doutor Angélico), Ockham (o maior dos sábios franciscanos), Marcílio de Pádua e Miguel de Cesena, Mestre Eckhart (dominicano), Dante (e sua obra de prosa e poética), Chaucer (com os Contos da Cantuária), o neoplatonismo e o tomismo em sua evolução filosófica), até a encruzilhada vital. Até o removimento crucial – as Grandes Navegações – construção naval, evolução técnica, astronomia (com Copérnico e Galileu), que alargou o mundo e o pensamento, antes trancafiado na Europa ocidental (reativado e vitalizado e dialetizado pelo pensamento asiático, mais antigo (que o grego) e mais profundo e dialético). Abriu novos e largos horizontes filosóficos (a expansão física e cultural do mundo) e turbinou a liberdade do pensamento, agora “libertado” do clericalismo, que o imobilizava (em duros dogmas) e tornado secular por excelência.

                Outros que balizaram (e abalizaram) o humanismo (movimento vital e crucial do Renascimento, motor e dínamo maior deste) foram: Giordano Bruno, Marsílio Ficcino,  Nicolau de Cusa, Dante (é bom repetir), Michelangelo (com seus poemas gays), Leonardo (outro fenômeno), Maquiavel, Erasmo de Roterdã (o maior dos humanistas), Thomas Morus (da primeira Utopia), A reforma (o braço religioso da semente e raiz do humanismo radical), Lutero, Inácio de Loyola, Kepler, Francis Bacon, entre tantos (dispense-se a ordem cronológica dos nomes).

                É preciso enfatizar que a monarquia medieval em aliança com o feudalismo desenvolveu uma cultura filosófica ampla e rígida, erudita, rigidamente firmada na lógica metafísica, desde Aristóteles. E sancionaram (o clericalismo e o sistema feudal) o cristianismo místico e simbólico. Daí para a junção da ideologia bíblica e platônica, que redundou na concepção do mundo até hoje vigente (lastreada pelo radical monoteísmo e milenarismo pentecostal) foi um passo.

Murilo Gun

 
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