à noite material da alma
à noite primal da poesia
Indizível felicidade me traz a noite do Retiro.
Junto – ao pé – da amoreira noturna olho
grandes morcegos e um bacurau passa, soltando o grito escuro
o breu da noite limpa do páramo etéreo me cega e aviva
o entusiasmo. Os séculos eram rápidos para mim
presa da noite atemporal e minuciosa.
A horas ríspidas do dia ser exposto.
A presença da Poesia era estridente
Magnificando-me, era estrondoso e firme o resplendor da arte letrada.
Num lapso de instante, aboliu-se o tempo
e, ante a noite imóvel, vi o fugaz em mim
o universo suspenso ajoelhou-se na página.
Os espaços absolutos me percorreram, os olhos
do espírito se acenderam, todo o literal
esfumou-se e lúcidas estrelas me apaziguaram (com seu cacto de luz ferina e bela).
As águas do tempo, seu rumor líquido, ouvi-as.
Ondas de trevas e praias escuras me ouviram.
Uma espécie de transitória visão me reteve.
Todos os pudores abolidos, resta o eterno.
Todos os poderes lassos, resta o homem.
Todas as vertigens reunidas, sobra o ser.
Vidente, contemplo o tempo, vejo a eternidade perto de mim.
Seu labirinto crônico penetro, ouço as ramas
da árvore única do éden. Crio a escavação
de mim, escavo o íntimo, e o publico, palmilho o todo
vou ao aquém da alma, cedo-me à poesia impura.
O eu interior é gozo, não é naufrágio.
Um raio de treva me desperta... e escrevo.