À poesia não interessa coisas práticas
listas perecíveis, culinárias expressas (e autoritárias)
objetos impúberes, corpos a laser modelados, nádegas de betume
descrições críveis, assoalhos de cafés sonâmbulos
mas seus contornos escuros, exatas bordas arredondadas
das mobílias pouco antes de incendiadas
borras, lodos (do limbo), carnificinas do homem.
Não são válidos objetos tangíveis, caixotes
gestos precisos, situações carnais ou escatológicas
que dispensem metáforas ou impeçam metafísicas.
Não interessa à poesia o sentido comum
previamente dado, consentido, desejado, inteiro
a sensibilidade temporã, o sentimento ordinário
(aquilo que v. sente todo dia e a toda hora
quer expressa-lo com as palavras que usa
para felicidade ou agrura do cotidiano crasso).
Não interessa à poesia sensação (banal e pura)
de amor, ira, dúvida, heroísmo, covardia úmida
banalidades humanas, eitos de tédios
magote de desencanto desencadeado pelo desprezo
humilhação ou prêmio insuficiente
(mas sim surtos de melancolia
quando acompanhados de ilusões azuis).
Não vale para a poesia alma em fuga
aparências interiores, decepções viris
prantos que enchentes de bacias levam
para bem longe dos lenços salvíficos
dádivas esquecidas, crenças dadivosas, aromas escuros
mas sim a força interior das coisas
e os aromas carnívoros que enlouqueçam narinas
objetos contundentes, memória vândala de fúrias
e espelhos lascivos capturados pela palavra
no momento ázimo em que são salgadas.
Interessa as tardes da alma
os crepúsculos do limbo
os cômodos meio embaçados da noite
luzes vivas, abris cruéis
amêndoas, épuras, geometrias sujas
empórios de imagens, temores
e golpes de mônadas.
Boa Viagem, Biblioteca Borges
e Ateliê de Escritura Vital – 2010