Segundo Valéry, a força de um poema decorre do número de interpretações que desperte ou que se lhes possa dar o leitor
(ou dos sentimentos ambíguos ou contraditórios que enseje a quem o leia gratuitamente).
Fraco todo poema de unívoco sentido
forte o de sentido bem equívoco:
eis a equação valeryana à resolução do leitor.
Poema de mão única não leva a lugar nenhum
(ou sempre a lugar algum, o que é a mesma coisa).
Se o sentido do poema- sua alma (seu corpo é a palavra)
não for polêmico, problemático
se for passivamente aceito, decifrado, digerido
com dentes metafísicos amaciado
se a leitura não for uma busca do sentido perdido
então o poema não tem futuro. É natimorto.
Extênuo aborto de palavras inconvenientes
com tino e trena. Sem alma.
Só a guerra do vário ângulo
e das enerrazões eleva (ou baixa) poema
à potência valida, à condição de objeto da fruição intelectual
ou sensível do leitor, à categoria de poema.
O poema de sentido pacífico, indubitável
(estabelecido, dado, a priori, predefinido)
é inofensivo eunuco, impotente nada
(para não falar de flores)
para não dizer medíocre duplamente.
(Por vir de poeta medíocre para leitor mais medíocre ainda).
Com as raras exceções confirmatórias da regra.
As batalhas interpretativas são prélios da vida do poema.
(liças do significante).
E quanto mais riqueza angular, esboço marginal
quanto mais silos de sentidos acumulados
arsenais exegéticos, gamas de visão
veios de (des)entendimentos, quanto mais
pólens de debates, ganga pura... mais longevidade
mais verdade poema traz. Daí
a seiva viva e eterna de O cemitério marinho.
E viva VALÉRY!