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Cláudio Veras

 Paul Éluard (o primeiro marido de Gala, a musa de Dali), que casou com Nush, a bela divina, um dos maiores poetas da liberdade e do surrealismo, finda o seu poema Morrer com os versos:

“Por entre os muros a sombra se estende

e eu adentro o meu espelho

como um morto penetra

a sepultura aberta”. (Tradução CV).

Isso a propósito do poema recente de Vital Corrêa de Araújo: “Os exaustos espelhos e seus fluxos de rostos e ecos vítreos, sua fome de imagem e fastígio de reflexos angústias causam. E invertem a razão”.

Em meus estudos sobre a poesia expressionista alemã, em especial os dois vates: George Trakl e S. George, e sobre surrealismo (de certo modo consequente do legado alemão, incluindo Rilke), constato que habitam essa poesia espelhos, reflexos, deformações (à Kandinsky e Picasso), ou seja o tema e o efeito especular (e dai especulativo) rondam. E VCA segue: “O espelho me contempla, absorto nas rugas do meu rosto, a fuga da face não o impede de deformar-me e me vejo vestido de cinza, não mais sendo contemplado, porém refletindo o espelho nu da vida”. “A morte do tempo – e seu enterro será num espelho”.

A questão de espelhamento e repetição vem de longe, de Platão, que via (e sentia) o mundo e a obra de arte como um reflexo ou reflexão das coisas eternas, do ser. (Anterior a tudo, até  a Deus ou aos deuses).

Aqui chamo à colação, o mestre Gustav R. Hocke, em sua obra (prima) Die welt als labyrinth (1957), traduzida no Brasil como Maneirismo: o mundo como labirinto, para etiquetar como autenticamente modernas a poesia expressionista alemã (sobre a qual VCA produziu ensaio) e a poesia atual de VCA. Hocke diz que o vocábulo moderno começou a ser empregado em 1520 (na acepção atual). O pai de Galileu (Vincenzo Galilei) escreveu, em 1581, “Diálogo entre a música antiga e moderna”.

Em 1641, o italiano Lorenzo Stellato critica (como o fazem hoje muitos saudosistas) a arte poética do seu tempo por causa de seus exageros modernos. Volto a VCA – e seu poema “neoposmoderno”: Assistí à morte do tempo, a suas últimas horas, estertor final pela extrema exaustão em seu falível prélio com o espaço, lide da qual não resistiria eternamente”. E segue: “Coagulou o fluxo, o decurso estanque estancou a passagem, o tempo morreu”. Adiante VCA, em saindo do tema, perora: “Vi sítios chorando e as lágrimas dos olhos minerais das eras pularem como hipotenusas ou andaimes”. E fuzila: “Tudo vi a ruir do espelho convulso (ou louco) do meu idiota id”. Tal poema encerra com o ditame (característico de VCA): “Onde jaza triângulo (isósceles) e sombra unicórnea, está inumado o tempo”.

Murilo Gun

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