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Qui, Abr

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            A poesia reside no uso alternado do signo verbal, de modo a destacar o significante, a palavra, pois o poema é nada menos do que um objeto de palavras. Que não tem, por finalidade ou objeto, tema, comunicação corrente, ditado de algo, ditame da alma. É o verbo, que é de barro, para o poeta absoluto.

            O signo (ou moeda) verbal tem duas faces (como toda boa moeda) ou aspectos que o integram. Som (parte material, física) e significado (conceito, parte mental).

            Os sons foram (e o são) associados, pelos homens (nós, falantes, desde o início, da primitiva comunicação humana – ou humanoide) aos sentidos ou significados, que é a parte espiritual ou conceitual do signo verbal. Sem o significante não haveria linguagem, ou melhor língua escrita, somente sons difusos, desintegrados, insignificantes.

            Essa correspondência convencionalizada, ajustada devida e explicitamente entre as pessoas, de validade universal para cada forma de linguagem, permite que os sons signifiquem, e o veículo dessa significação é a palavra, o verbo. (Que por sua vez, tem duas faces, etc: a parte acústica e a conceitual).

            O significado (que os significantes transportam) interliga os signos linguísticos a objetos (ao mundo, à realidade, à natureza) extralinguísticos.

            A relação entre signo e objeto denotado, referenciado, apontado, comunicado, é arbitrária: é pura convenção interpares.

            Para a prosa, que é o meio de comunicação corrente, usual, de todos, geral (a poesia é o modo de comunicação literária bem específica, estendida a poucos, especialíssima), o essencial (para a prosa) é o significado, isto é, o conceito, a face mental, o dito, expresso, comunicado, desoculto, claro, em termos gerais, à exceção da prosa artística, poética.

            Para a poesia, a essência é o signo significante, a palavra, em si, não o que ela veicule, como mensagem corrente, comunicação social, genérica, aplicada a todos, sem exceção, de uma determinada língua.

            Na prosa, ou linguagem corrente, ordinária, geral, os significados das palavras são fixados, quase em definitivo, são estabelecidos, se possível, de uma vez para sempre (e para todos).

           Há uma determinação do signo arbitrário, via laços firmes e ágeis de convenções estabelecidas entre os que precisam ou querem se comunicar socialmente. E esses signos, uma vez fixados por convenções dos comunicantes, são úteis, instrumentais e necessários absolutamente à linguagem. O seu uso deve ser estável, automatizado ou mecânico, mesmo perpétuo, sem alterações, digamos metafóricas, que ocasionarão ruídos e perda de eficiência da comunicação.             

            O uso poético da linguagem consiste exatamente na alteração dos significados das palavras, em seu embrulhamento, confusão de sentidos alterados (quais delírios verbais), de modo a obscurecer o significado normal e ocultar sentidos, sob a capa das figuras (de palavra, de pensamento) tropos etc, de forma a exibir interpretação, descoberta, esforço e êxtase do leitor recreativo do poema absolutamente criativo.

            Sentidos estabelecidos – e bem, ao arbítrio da convenção, como claros, certeiros, úteis, fáceis, instrumentais sobretudo, são prosaicos, por natureza e definição. Sentidos fixos, fáceis etc nada têm a ver com a poética absoluta.

            Pois a comunicação literária, no caso poética, não é social, abrangente (digamos mesmo democrática), definida, e clara, em que emissor e receptor estão em linha direta, porém é, muito mais além, é mais severa, difícil, complexa, mesmo misteriosa e ousada e inédita, de turbulento, grato e auspicioso desvendamento.

            Na realidade, a linguagem da poética absoluta não é difícil, é complexa, sinuosa, curva, indireta, mesmo tortuosa, quase inacessível, em suma, criadora por excelência.

            Nela, o poeta não pode dizer ou exprimir o que outros já o fizeram, ou disseram. O poeta absoluto tem que inovar... e dizer tudo o que as palavras ainda não disseram.

            Frases de sentidos alterados necessariamente diferentes de qualquer ditado ou ditame vulgar da alma, explicitadas, sob lenta ou violenta emoção, são próprias e adequadas à poesia absoluta.

            O que pareceria (teria a clara aparência) insignificância é significativa.

            O que soaria na escrita como algo hermeneuticamente estranho, é poético.

            O que exija do leitor (receptor do poema moderno) reflexão, complexidade de desate, cause à mente perplexidade, é poema absoluto.

 

Murilo Gun

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