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VITAL CORRÊA DE ARAÚJO

 Borges é o paradigma do narrador sofisticado, sutil, acerbo, que gera no leitor dúvidas sobre o que ele escreve: se sobre coisas reais ou imaginárias.

É o mestre do paradoxo, do dilema, do enigma, da consistência ou não do mundo e da verdade, como Berkeley ou Zenão. É o modelo da ambigüidade e do fingimento. Seu objetivo é duplo: fingir que a realidade não é fingimento ou fazer acreditar que o fingido é simples realidade.

O real e o ficcional, em Borges, entrelaçam-se, mudam de sinal, a cada momento – e ele se deleita com esse jogo arguto, filosófico, crucial. E nisso se concentra e se resume o seu humor, cáustico, perfeito, paradoxal, elegante.

Qual o verdadeiro nome de Borges? Poucos, dos milhões de leitores, sabem? E quanto a seu mais conhecido poema – Instantes? O mais famoso, divulgado, traduzido, copiado, recitado, decorado, vendido, reproduzido aos milhares em cartões, posters, painéis, o poema, Instantes, de Borges, não é de Borges. Este é mais um paradoxo, irônico e sarcástico, ao mesmo tempo que traz a marca registrada Borges e a ele como luva se aplica.

É uma situação puramente borgeana e só a ele e com ele ou com outro – nunca com o outro – poderia acontecer. É um caso de falsa autoria real de quem criou tantas reais atribuições falsas.

Instantes é um poema famoso, popularíssimo, publicado milhares de vezes a cada ano em todo o mundo, e sua fama tanto se deve a Borges, como torna ainda mais famoso Borges. Embora atribuído a Borges, é de outro – não do mesmo Borges, nem do outro Borges, mas totalmente apócrifo. E corre mundo, estampado em milhares de posters, assinado por Borges, tendo fama devido a ele e a ele dado mais fama ainda.

Maria Kodama – a quem conheci na Fundação Borges, na rua Anchorena, em Buenos Aires – estava em campanha mundial rechaçando, desmentindo a falsa atribuição do poema a seu esposo, remetendo a centenas de revistas e jornais um desmentido formal, negando radicalmente a Instantes a autoria de Borges.

Como María Kodama estava de saída para cumprir compromissos, fiquei a conversar com a secretária da Fundação Borges, tendo ela me municiado de informações e materiais sobre a cruzada contra Instantes, acrescentando que o poema objetivamente demonstra não ser de autoria de Borges, pelo estilo, tema, expressões literárias, etc., o que é verdade. Instantes nem chega a ser um pastiche de Borges, é oura coisa, é estranho a Borges.

E o que é pior, gostam dele mundo afora: é apreciado e degustado como o melhor poema de Borges – e, quem sabe, mais conhecido e famoso do que Borges, o que ele adoraria, duplamente. E, pior ainda, gostam de Instantes, não por ser atribuído a Borges, mas por ser um poema de má qualidade, sentimentalão! Nada do que é humano me é estranho, mais! Nem Borges.

Murilo Gun

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