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Sex, Abr

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                Descrevo essa noturna aventura e caudalosa com todos os sentidos rebelados, na alma blindada, no corpo impresso o declínio do império fechado da insatisfação, eros insaciado e temeroso. Já a poesia não me responde, desgarrou-se da página e da cena, vive no ar e não celebra a vida.

As velhas imagens foram os símbolos cultivados com apuro e sem desmesura foram devorados, a alma do cosmos morreu. A gilete que engoliu Maiakóvski foi industriada na oficina náufraga de Stalin laminado. O catálogo de sombras de poetas desencaminhados da vida ilumina o século. Quando os poetas quiseram libertar o corpo, sublevar a sílaba, desamarrar o verso também se suicidaram, a mesma lâmina de Maiakóvski a eles se aplicaram suplicemente.

                Desencarnado o corpo é volúvel e pando. Se já não seve ao desejo, para que existir. Se se inibe o desejo, para que existir. Se se inibe o desejo, tudo desaba, a ruína reina, o canhestro torna-se eunuco, a vida vaga, o dom não medra, tudo se faz lento e morto. Os candentes hinos da coivara enrubesceram gargantas. Todos os ângulos eróticos são válido. As abstrações respiram. Ao lixo, a lógica. Ao remorso, a alma. A sede é cifra de um vago. Paixões não são sublimes, são paixões. Poesia é como o amor livre. Da degradação do desejo vive a geometria escura que não distingue ângulos ou arestas de abismos vesgos azuis. O prazer não tem princípios. Só fins: ser humano, fazer o humano. Embora corpo e prazer não se confundam, pois são alheios entre si eles se representam um a outro. Se mantêm paralelos porque pensam o infinito, em suas pequenas vontades verdadeiras. Mas eis que é o tempo do desejo artificial. E tudo é blasfêmia ou simulacro. O entusiasmo gangrena. A dignação é mácula.

                O protesta não é mais juvenil. É adulto. E não é mais político. É outro. Como outro o futuro. O prazer agora é defeso. Para irromper a justiça basta devorar os juízos. A incidência moral é contrária à da luz: cega. Todo o amor será sepultado em nome dos costumes menos bárbaros. O trabalho do desejo é vão. E mortal. É precisam esperar o nascimento das ruínas, que gerações de destroços se reproduzam e detritos triunfem para que se entenda o mistério da poesia. E a validez analógica (ou meio anômala) da verdade. Mas persiste a questão: qual o desejo melhor ou maior: o do passado ou o do futuro? Porque o desejo do presente é mortal. E menor. Reinos não mais retornam. Revoltas são inóquas. Onde estão os novos manifestantes que vão às ruas em defesa do prazer real. Total não mais só sexual? É possível destronar a culpa? A repressão é eterna? Só retorna a dor ou a expiação infinita?

                Espere, amigo, o ocaso do futuro logo. O ocidente chegou para o tempo. A noite é água. O leito é pedra. A dor maior. O corpo só osso. A tarde é de trigo. A selva de orvalho minguante.

 

Murilo Gun

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