I
Numa indefinida meditação a uma tarde
qualquer do frio Garanhuns assisto
ao meio-dia de pedra, à luz de pó exilar-se
enquanto tento ver uma mosca de sal
através da veia do sol ou dos trapos da minha alma
afastar-se a tarde e a noite sequestrar a lua
enquanto o imo me guarda da espessura mais árida
e me devasto como a penúria (ou a vida).
II
Com olhar frugal vejo sílabas avermelhadas
se imprimindo na página, cômodos fechados
ouvidos trespassados de gritos líquidos
o silêncio das portas, o reverso da carne
não consigo ler versos (comigo) só o inverso (de mim)
disponível na pausa (ou meu anverso vital ferido)
sei que a palavra me aniquila (e a pressa poética)
a lucidez e a apetência de ser mais um
na glória da singeleza original. Ou algum
que creia na podridão das taças diluída em vidro nu.
III
E me indago crível
quantas vidas dura só um dia
quantos quilos de hora
e eternidade vai durar
quantos pratos de tempo tem a vida (simples)?
IV
Olho a imagem nua de mim
passo à vida (presa da vida)
olho-me de dentro da noite interior vasta
e, se não me vejo, mais oro.
Ao inerme que sou.
V
Se não enfrento minha imagem vivo.
Semblante límpido, dele desisto.
A sombra da luz é meu porto (sepulto).
De hélices curvas valho-me
na vida sem rumo ou leme.
VI
Sombra fruto da luz
ou luz duplicada.
VII
Disperso palavras no poema: sou.
VIII
Os meses estão nus e à morte.
Avisem a zodíaco.
Apelem a caridosos calendários.
Apedrejem pássaros.
Orem à meia-lua.
São cinco horas, avisem a madames (de França).
Bebam em minha tigela de arquétipos símbolos amaros
ventos de baunilha, hábitos de inverno
em minha concha de arquipélagos
largos domingos bebam (até a ebriedade do verbo).
Mas não atravessem o vaso dos continentes.
Em que a palavra imerge ávida.
IX
Amo clausuras, dos desertos me dessendento
nos sais de seus oásis imerjo
a realidade é monacal
agnóstico o diagnóstico
a pera suave e interdita
o amor carne
amo a extasiada brancura dos claustros viris
onde a luz reza e a solidão ora
defenestro janelas, de celas e cilícios sou apto.
Obscuro perfume de uma tarde sem lua
me devora
os incômodos do ser banal e urbano
se intensificam, panos sujos amam-me
espaços mínimos roçam-me
os sais da alucinação perdi-os a todos
ai de mim, ai, só tristeza larga resta
além da noite passada da alma
(que me alimentam , infelizmente).
X
Tudo acaba alguma noite. Até o amor.
XI
Sepulto lâmpadas em covas cruas.
A escuridão é bela. A solidão melhor.
Procuro indícios de sol na praça inútil.
(E o sulfato de viver na página mais ácida).
XII
Em Cafarnaum Jesus passou.
E sozinho morreu da cruz (em solidão cruel) por nada.
XIII
Penachos de sombra rastejam
do ventre do sal saltam cerejas.
XIV
O sol molhava-me e as nuvens
pareciam cones de fumo andando
sobre relvas jardins urdiam
algum amanhecer súbito
torres inglesas se desfaziam
e do ventre aberto de pedras vinham
cães lunares e gerúndios.
XV
A palavra busca repousa na página.
Dá sentido ao delírio
Não o encontro, mas a busca.
Não o verbo, mas a alma.
XVI
Em Cambridge a sombra rebelada
De Wittgenstein tece impropérios a gramáticas.
XVII
O viés de Ludwig é o futuro.
XVIII
A erosão é viva.
O olhar erode a alma.
A vida consome a alma.
XIX
Vazio azul vazio.
XX
O esquecimento é como a cor do lírio.
Ou o rubor do aço. Como uma laje falsa.
Ou como o ígneo signo é o poema imemorial.
XXI
Um dia de quase dezembro
encontrei uma tarde amena
que me disse peremptória ou crua:
a lua tem sobrancelha lenta.
XXII
Ressurreição ou multiplicação de peixes?
XXIII
Tudo indicava o desrumo.
Nada era sem saída.
Até a certeza de um axioma
o êxtase de um labirinto portenho.
A uma lua de Creta me ajoelho.