Como aprisionar círculo, encadeiar cores
e vislumbres, encarcerar esferas e lobos
além de poliedros em cubos exatos? Como?
Haveria de extinguir ângulos dispersos ou agudos
e persistir entre geometrias gêmeas.
Só o lamento dos últimos dedos
e a nostalgias do corpo escuro.
Flor de pétalas físseis
rosa poliédrica de tez atômica
aurora de urânio e lírio coagulado
corolas esmagadas, néctar estuprado
a safra bélica, a febre sôfrega
o agonizar de madressilvas
dores circunscritas ao centro da náusea.
A escrutinar o ser os desejos da morte
sedosos mas impacientes
percutindo seus anátemas
circulando vísceras mudas sobre sangues
o barítono das sombras, a partitura das trevas
o aluvião do vivo deformando-se
como centelha ensanguentada
pela luz viciada das veias.
Absurdo mar de ondas pétreas
e cordilheiras náuticas
nele submerso como pérola ruda
o útero da lua e diademas nus gravitando o vácuo.
E portos sepultados em abismos d’água.
Severos estribilhos de corais arruinando-se
a flutuar feito arraias ígneas
arremessados contra recifes árduos.
Espadas descapadas, portas estéreis
engrenagens em forma de gargantas
labirintos lábeis, caos fracionado fecundando-se
entre fractais do instante
e criaturas esterilizáveis
o tempo do outro carcomendo-se
a realidade naufragada como bobinas
e os espelhos despejando vozes
e reflexos de urros interiores
o cavalo da eternidade ao lado
de ônibus galopando às claras
ante passageiros solapados pela história
aniquilados pelo curso feroz do tempo
e feéricas vísceras estancadas
pelos momentos simultâneos
apenas entrevistos do poema.
Puro chumbo o céu, a chuva viva
abeirando corcel de nimbos
o peso da luz desviando a sombra
que poente antepõe ao sol
a lucidez do tempo estampada
no estoque que a hora desgarra
as veleidades do todo perturbadas
os limites impedidos de ser
e os horizontes com o rigor espezinhado
as fronteiras derrubadas como muros
apodrecidos e instantâneos
e troias berlinenses e absurdas
restaurando epopeias.
Ontologia não do ser, mas ser
onto e depois.
Genitivamente úmido o dó
ante o doloroso que a vida é.
O ponto da extrema ruptura resoluto
a palavra desfiando
obstáculos puníveis estabelecidos
armadilhas do tempo bem estáveis
circunstâncias e idílios já à vista
ante a interpretação do absoluto
através de salmodias admiráveis
que escapem do absoluto da poesia.
Caos concentrados no limbo
rastro ostensivo de anjos avultam
céus movediços como ditirambos
atravessados de auroras e vísceras
arredondando-se como ratazanas
nos berços amagotados de filhotes
inocentes e gerundiais.
Marés estancadas
arrecifes aveludando-se
repousos agitados como diques
cais assolados de solidão
o sal da vida espoliado
o esplendor infuso ainda
a ressonância mecânica alastrando-se
e vozes estranguladas na garganta
episódios estéreis interrompidos
a amnésia triunfando
os ablativos triunfando
os ablativos desnudados
e gerúndios adormecidos
nas laudas do pequeno apocalipse
que escrevo narrando a mim
estampando-se das páginas polutas
e almas algemadas o ser que reste.
O fluir da sombra cediça
o amortecedor do rumor infrutífero
o fêmur em pane, a vida exangue
tudo recusando o início
o fim adiado como incêndio
do paiol ressurgindo em céleres
e imortais labaredas ingentes
escamoteados sinais assomando
à sanha da imprevista cena
origem do estábulo e da penúria.
Sagas que cederam
caminhos inescruzados
cruzes compulsivas
de calvários velozes
e estigmas profundos
como chagas de rosas atômicas
O eterno trânsito
impassível como amêndoas roubadas
lumes extintos desde o início
lamas coagulando almas
e pétalas sacrificadas em vão
no vau da manhã florescendo em jardim dúbio.
O arvoredo dissoluto dissolvendo
a verdade voraginosa rebentada
do caule infrutífero da vida
e o tempo dinamitado pela hora ázima.
A luz inviolada e venenosa
como víbora escura astuta
as tristes fontes áridas
nascentes envenenadas
por águas e dízimos conspurcados
por agruras e dores dizimadas
o ser terrestre (os deveres da alvorada obscuros)
seios pedregosos de alimárias
sopros montanhosos e arrebatados
rebentados por óleos pétreos
de anjos plúmbeos e extremos.
Águas e rezas contaminadas
de purezas extremadas
e áscuas virginais
derramadas de altares inabordáveis
por sacerdotes de sais lacrimais
egressos dos últimos ralos.
A liturgia dos esgotos inflamada
o sacros sumos do vômito redimidos.
Responsos e responsos esquecidos
em velhos e inabitáveis sonetos
ou músicas silenciadas a propósito.
Sintaxes emasculadas, hiatos suínos
ditames raivosos
vozes do guto abominadas
como sílabas amordaçadas
em textos proibido.
Gramáticas das últimas rosas
flores dolicocéfalas
e lírios abortados
como pássaros ou sinos adúlteros.
Febres, ovelhas, sustenidos
bemóis de abismo
voragem do crucifixo
libertada do último limbo
ardores mutilados
adjetivos insurrectos
ressurgindo do mais espúrio
substantivo.
Todo o delírio dê à poesia
todo delírio é do poeta.
Toda ventura seja vendida
qualquer rima recomprada
sem risco do evicção.
Todo engano revivido
qualquer burla revisada.
A libido recomenda-se
à palavra do poema
para que reconheça logo
o gozo verbal.
Crer na criação verbal
é ser deus de novo.
Descrer da morte
é o verbo vital.
Que amorteça
a dor de não ser
víscera e palavra
verbo e abismo
até a ressurreição da dor.