Claúdio Veras
O caminho fica longe para o leitor “entender” Vital Corrêa de Araújo. (Parafraseio, com licença de José Rodrigues de Paiva, Vergílio Ferreira).
Claúdio Veras
O caminho fica longe para o leitor “entender” Vital Corrêa de Araújo. (Parafraseio, com licença de José Rodrigues de Paiva, Vergílio Ferreira).
Sonhei um rio esquecido
de margens réprobas
atravessado de talvezes
e adeuses loucos.
De trêmulos espelhos feito o mundo
vida, de apanágios escuros
tempo, de sal e do líquor do trânsito
flores, de vidros do céu.
Se a poesia absoluta é atemática, é imateriália. Não é abstrata, sob pena de ser louca, redundante, pure nonsense, meio decorativa da página, colorífica. Se dispensa o tema, qual o objetivo ou como substituí-lo? Ao renunciar ao sentido, o poeta moderno renuncia ao objeto.
Hoje os bárbaros destroçam a sala de jantar
mas cremam poesias, não poetas... ufa!
A poetas não incineram, castram, emasculam
poetas com torquês de verso, golpe de rima.
A ascese é uma mulher.
Fêmea indesfeita. Sei-o
Seios firmes, aptos, invencíveis, socráticos
(e piramidais como o sopro de Deus).
Invista nos quanta de sua consciência e não só na física da alma (physics of the soul) secular (proba porém pobre). Faça o poema novo. Deixe grassar em si novo frisson. Renove o espírito. Retire as ataduras do tempo infiel.
Chegaram tempos de desesperança e gozos vastos
e da comovedora prosperidade dos pastores
a expensas de Deus coitado, o deus dinheiro
O tempo, que é impiedoso, mesmo cruel, além de irrepetível, irretratável; o tempo literário, como qualquer outro, passa... e no Brasil não se percebe.
A renovação da linguagem é permanente. É evolução tecnológica, não técnica. Não é reforçar o método silábico ou inventar rimas de urânio. Não.
A poesia que 99,99% dos “poetas” brasileiros (milhões e milhões) fazem – artesanalmente, antiquadamente – nada mais é que um tecido de significados insurpreedentes. A expressão já era esperada, já estava predeterminada, face ao crasso, longo e aguardado processo de sua determinação. Ou melhor, sobredeterminação. Tudo nos conformes tudo bilaqueado, tudo pronto, preformulado.
A esse código velho – e sem surpresa – de tratar o significado, preelaborá-lo para que diga algo válido, importante, vital... que melhore o país, talvez, oponha-se o código imprevisto imprevisível, mesmo ilegível ainda.
O crítico e poeta luso – Fernando Mendonça, na revista Colóquio (que comprei em Lisboa, Caluste, em 2012) – diz que hoje existem poemas legíveis e ilegíveis. Os primeiros são aqueles que remetem aos velhos costumes do velho homem, e o fazem num código rígido, sem desvios. Os poemas ilegíveis (caso VCA, Rogério Generoso, Admmauro Gommes) “são os que, ao invés de falarem pela boca do homem, falam pela boca do verbo”. E essa palavra contém a voz do vir a ser. Não foi impurificada pelos significados da linguagem poética velha, comum, sempre rebatidos e os mesmos.
Há um poema que fala, emociona, puxa lágrimas, previsível, certinho, irrefutável. E há outro que nos assusta, causa estupor, estranheza, sideração... tal que, no caso, ler VCA causa AVC. Ou cura. É uma poesia que não reflete o acontecimento, mas propõe-se a fazer o mundo. Se ela – esta tal nova poesia – diz algo é o que as palavras ainda não disseram. É o por vir (e porvir) do verbo.
a St-John Perse
de iniludível expressão
O poeta precisa crer na palavra e não no significado dela (que é transitório se não inútil ou datado). Saber que todo poema é temporal (e nele o ímpeto da tempestade verbal está presente, embora inconsciente).