Maria de Lourdes
Hortas Burocracial (poesia)
Vital Corrêa de Araújo Edições Pirata, Recife/ 1982
“Embora apodreça/ no estoque estúpido/ do supermercado/ a poesia está em falta/ mas viaja”. Quem diz isto é Vital Corrêa de Araújo, no livro Burocracial,recentemente lançado pelas Edições Pirata, e que acabo de ler.
Mário Quintana, quando esteve em Recife em novembro de 81, para a Semana Joaquim Cardoso, disse uma frase que arquivei, por responder ao pânico de muitos críticos sobre a quantidade de poesia ultimamente publicada em todo o Brasil: “Acho ótimo publicar-se tantos poetas. Porque embora noventa por cento dessa poesia não se salve, dez por cento é boa. E é bom haver milhares de Chiquinhas da Silva para acontecer, de repente, uma Cecília Meireles”.
Agora, reencontrando a poesia do autor de “Título Provisório” (publicado pela Fundação José Augusto, de Natal, em 1978), vou buscar a frase de Quintana, adaptando-a à circunstância, para dizer: acho ótimo publicarem-se milhares e milhares de Fulanos da Silva, para de repente aparecer um Vital Corrêa de Araújo.
Trata-se, sem dúvida, de uma voz de timbre novo –clarim acordando o leitor, que boceja diante de tantos livros que se pretendem ser de poesia, mas que não passam, na maioria das vezes, de antologias de lugares-comuns, vistos, revistos, gastos, cansados.
De grande unidade e harmonia, quer na temática, quer na linguagem, este livro não é mais um entre os muitos conjuntos de versos de lirismo balofo, onde os autores se põem a contar, em formas mal alinhavadas, as mal traçadas linhas de suas vidas. Ao invés disso, Burocracial é um livro consistente, onde forma e conteúdo se entrelaçam, alcançando um elevado compromisso com a arte. E, como arte que é, não está fadado a apodrecer “no estoque estúpido do supermercado”, porque vem suprir essa carência de verdadeira poesia de que tantos se queixam. V.C.A. não estáapenas de viagem, passando pelos mares da vida e da poesia como um turista distraído ou diletante. Veio para ancorar, denunciar, intervir.”