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Vital Corrêa de Araújo

A resultante da filosofia americana do século XX, a vertente pragmatista, que privilegia o senso comum, a vida prática, a ação técnica,

marcada pela reflexão sobre o poder das crenças, da fé, e pela vontade de elaborar e estimular hábitos de racionalidade, voltada a ancorar e desenvolver e fortalecer a conduta das novas elites na direção de novas e concretas verdades capitalizáveis. Esse efeito deu-se de modo negativo na poética, posto que a poesia, se sujeita a outros objetos que não ela mesma, empobrece, arruga-se o verbo, o dom apodrece.

 

Ao desenvolver álgebras simbólicas para desnudar a função e direcionar adequadamente o pensamento americano, e produzir hábitos de ação, fecha-se o cerco à poesia e arma-se o gueto de Uivo, de Pé na estrada, livre rodovia do pensamento caminhos da liberdade, filosofias jovens antissistemáticas, guerra às guerras imperialistas, e investimentos em utopias novas.

Ao metabolizar a clarificação e concretitude das ideias (de que não sai a poesia), buscou-se brecar a insatisfação estética e política, desconfundir a mentalidade, esclarecer “os fatos”, inclusive ideológicos, suprir a indecisão da vontade e dirigi-la ao  supersistema, a suas estruturas e infraestruturas ideologizadas e reforçadas pela ciência aplicada à produção e ao consumo de massa.

O nó pensamento, ação e crença, lógica e amor, confiança na razão e verdade sistêmica, foi reforçado ao máximo.

Ao impulsionar a ciência e alicerçar modelos de comportamento adequado ao sistema de produção e consumo de massa (devidamente alienada pelo próprio consumismo cientificado), a filosofia reconheceu o necessário teor de falibilidade, além da confiabilidade estéril no estabelecimento, e promulgou as autocorreções, para preservar o avanço da ideologia do capital, para não causar abalos no frágil e sacro mercado – e no deus ex-machine que é a bolsa de valores, bem como reduzir traumas e insatisfações marginais. Ao precaver dúvidas e embasar novos sonhos, o sistema destrói a utopia, domestica o imaginário votado ao serviçalismo concreto... e obsta a poesia e sua verdade absoluta. A poesia tipo sorriso da sociedade e dos salões burgueses é reestabelecida e calcada como definitiva.

A verdade como resposta à fé, a confiança no futuro presente (a fé como promessa de verdade, conforme Stendhal). Eis o utilitarismo sob as novas roupagens cientificas do pragmatismo americano, a admirável filosofia de nosso tempo: Segundo Remo Bodey, o utilitarismo reeditado, como verdade pragmática, filosoficamente alicerçada, ancora-se na equação: verdadeiro é igual a útil, embora nem sempre o útil seja verdadeiro (no caso da queda especulativa dos índices bursáteis). A verdade equivale ao sentimento de racionalidade e plena familiarização ao mundo nosso de cada dia, que nos cerca, e gera fáceis felicidades.

“Não se pode nem deve transformar a complexidade (aparente) da vida e as coisas da experiência em ideias abstratas, em pensamento puro”, em utopia poética, em insatisfação com o futuro, se não aonde irão os índices de consumo das famílias e a alta confiança no Sistema?

A excessiva quantidade de oxigênio do pensamento (livre como o poema) abstrato, a vontade de romper a opacidade de viver, a decisão em enfrentar as aparências e desnudar as máscaras são fatais à vida e ao senso comuns.

A ideia de ser e querer o diferente, que compareça à consciência, é danosa. Livre-se dela, leia sonetos permissíveis.

Como fio que alinha o rosário, deve ser a vida... reta, clara, obediente, clássica, empreendedora, centrada, producente, rápida e plena de sucesso, do êxito que move os dois, três por cento do todo humano, isenta de situações perturbadoras. Os realmente felizes, não passam de alguns poucos milhões. E tem de ser assim, pois não há nenhum céu que vá acoitar bilhões de pessoas. Há uma seleção natural salvífica, soteriana.

Daí, o direito positivo e latente, sem coisas confusas, como a poesia absoluta, é a vida verdadeira... é o que prega a filosofia pragmática da vida, em que poesia é aberração.

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Murilo Gun

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