Perdi ontem minha adorada sombra
ó pobre sombra (e vital) onde estás
em que mundo, em que obra, em que terra
árida perambulas
sozinha, sem eu a chorar e gemer
sem o corpo que te dava abrigo e substância?
Em que furna de demo te encerras exausta
ó minha cara e desditosa sombra?
Quem sabe fugiu
para o museu de sombras de Jung?
Amanhã quando ir-me de todo
deixarei na terra nua o campo
e vaguearei (como?) sem sombra
ou amparo do sal.
(Eu me havia morto
e meu enterro puro e sem graça
ou melhor com desgraça
posto que a desgraçada sombra
fugiu com outro corpo talvez
e me deixou desassombrado).
Já não conheço o sal
e o sol de onde arranquei o pássaro
da solidão de aço do céu (que é vão)
do órfão concerto a mão
da flor esmagada o pão incendiado
a crueza do obstáculo
o relâmpago sem perdão
e luzes crespas e flagelos ágeis
ou olhos com lágrimas de gelo.
Esferas de areias ardendo
defronte a usuras cegas vejo.
Por que céu tão amaro
e febre tão suave na face
por que rosto sulcado de tanta coivara
e pão tão ímpio quanto mortalha?
Trevas gregas espero
como troar de esferas.
Por que o brilho da relva
não depende mais do orvalho
e das campânulas de água amanhecida?
Céu já não cintila
já não se considera estrela.
A solidão matinal é uma burla
A navalha já não cicia afinada com a carne.
Pássaros se oxidam.
Já não flameja som dos regatos.
Arroios morreram
E a morte, quando termina?
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