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Odisseus Morales

A sua intenção (de Vital) é derrubar o significado – SJ

A poesia de Vital Corrêa Araújo opera como se o emprego inusitado, a conjunção desconcertante de palavras, formando estranhos sintagmas, exigisse a suspensão do significado. São tecidos de signos revestindo um universo de silêncio e perplexidade (anunciando angústias entre candelabros e tempestades).

De certa forma, o poeta explora e aprofunda o sentimento de angústia, entranhada, mas não conscientizada, que avassala a condição humana, em especial, nesse dealbar do terceiro milênio, onde a situação do ser-no-mundo tende para o nada.

Assim, ele tenta desintegrar, com palavras arranjadas na forma de aríete em riste, a aparência de realidade a que nos acostumamos e nos sujeitamos passivamente. Que nos torna sujeitos de objetos existenciais – frutos da droga da usura e do ardil erótico apresentado como algo racionalmente viril e extático – alienantes do humano.

É uma poesia não figurativa emersa de camadas profundas do inconsciente, daí a estranheza que causa – e que Sébastien Joachim disse converter-se “em expressões do infinito, do incompreensível, do impossível, do transcendental, portanto do sublime”.

Difere da poesia consciente, extensamente praticada hoje, controlada régia e rigidamente pela consciência, sob auspícios da rímica e da medida, que a instrumentalizam. Esses hábitos denotam espíritos feitos para a disciplina, ou seja, para a conformidade.

A poesia de VCA é de forma indeterminada, movida a lampejos, chispas que brotam em ímpetos do magma ídico.

A forma é não reconhecer – nem se sujeitar à forma externa, nem se submeter a associações perceptivas imediatas e óbvias.

São signos contundentes, distintos da figuração da poesia reinante em que as palavras visam reproduzir coisas, causas, objetos, sentimentos, emoções banais, situações psicológicas ou naturais.

Os poetas de hoje em dia se apeiam quase automaticamente, quase por instinto conservador e por segurança de que assim serão cobrados por leitores especializados, que exigem o rígido controle métrico e rímico. Então, teimam em manter esse laço como se a poesia fosse questão quantitativa.

O poeta figurativo escolhe um objeto (como modelo ou guia), uma condição psicológica, uma lição de moral ou não, e reproduz em palavras adequadas, medidas e exatas. As palavras são mero meio para o fim expresso que o poeta perseguir (a mensagem política ou sentimental). Se diz movido por belas ou doidas emoções.

Este tem o cuidado – mesmo o requinte – em eleger e separar temas cuidadosos, um poema do outro, assepticamente chegar ao fim (ouro) do poema, não misturar assunto, observar começo, meio e fim, religiosamente.

Vital joga tudo fora, embala o meio campo, endoida a estratégia e a cabeça dos críticos, ou melhor dos leitores.

Para VCA, o poema é feito com o significante, tenha ou não significado, claro ou obscuro.

O poeta deve abstrair-se do sentido para cuidar do significante, de que fazem partes os espaços em branco, que separam as estrofes. Observe-se como num soneto a repetição dos três espaços em branco cria uma sensação de monotonia, além do monotema.

Na poesia VCA, signos são multievocadores por sua ambiguidade, e a matéria poética tem uma extensão não uma estrutura formal, daí sua disponibilidade ilimitada e o fato de evocar no leitor imagens carregadas de intensa significação, ou efeito siderante, conforme o Prof. Sébastien Joachim.

Há nele o ímpeto de purificar a poesia ou de reduzi-la ao essencial, fora de qualquer vestígio ou sinal de prosaísmo. Ele vai ao essencial, ao conceitual e não se seduz pela aparência imediata e medíocre.

Hugo Friedrich explica a poesia a partir de Baudelaire, em particular sua obscuridade e dissonância crescentes, como uma perda da função representativa, que evolui paralelamente com uma despersonalização ou uma perda do eu. O eu central do romantismo ou o eu sensação do simbolismo. Daí que o poema – como o de Vital – cause a desorientação do leitor ou leve-o a uma sensação de desrealização. É que a aparência do real se desintegra, se desrealiza, em benefício da reintegração do real verdadeiro.

Destruindo o mundo e o eu, a obra em breve destrói a si mesma e encontra o seu desfecho no silêncio. O silêncio de Rimbaud.

 

Odisseu de Araújo Morales é pernambucano da geração pós-65, vive em Nova Iorque, participou das antologias Poemas de Sal e Sol e Poetas do Século 21, organizados por Benito Araújo – e publicou em Portugal o livro de poema Sal e âncora e, nos USA, Os sete samurais da poesia.

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Murilo Gun

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