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Qui, Abr

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A tormentosa personalidade de James Joyce, autor do romance mais importante do século 20 – Ulisses,

e os graves impulsos que moveram sua alma vieram à tona da realidade, em 1992, com a abertura ao público das cartas, que permaneceram em quarentena por 50 anos, relativas ao seu caso íntimo com sua filha Lucía Joyce.

 

Dirigidas a Paul Léon, adepto e secretário de Joyce durante cerca de 10 anos, que substituiu Sylvia Beach, como ponte entre o escritor e o mundo, O baú (ou maleta marrom) com as cartas depositado, há 50 anos na Biblioteca Nacional da Irlanda, foi abeto em cerimônia especial com a presença, inclusive, do 1º ministro irlandês, em 5 de abril de 1992. No entanto, as cartas de Joyce a sua filha Lucía, encontradas no baú, somente serão abertas em 31.12.2050, por determinação do neto, Stephen James Joyce.

O assunto da maioria das cartas de Joyce a Léon era Lucía Joyce, a filha (mais jovem do que George, que compunha o casal de filhos) querida e esquizofrênica, enfermidade que se encontrava latente, até que o dramaturgo escocês, amigo íntimo de Joyce, Samuel Beckett, fez emergir da alma de Lucía, com toda sua terrível potencialidade e suas ávidas garras, que ataram a jovem ao martírio em vida.

A jovem estranha, “cópia torturada, bloqueada ou gorada de um gênio”, na descrição avaliatória do biógrafo Richard Ellmann, atraiu Beckett, frequentador do apartamento parisiense dos Joyce, desde 1928.

No entanto, este afirmou nunca ter olhado Lucía com visos sexuais ou na dimensão de amante ou consorte, desde que seu interesse maior era o próprio Joyce. Em 1931, rejeitada por Beckett, Lucía sofreu acesso de catatonia, a que se seguiram crises esquizofrênicas que duraram mais de 50 anos.

“Se tenho alguma centelha de gênio, Lucía a herdou, relâmpago que nela provocou inimaginável incêndio e irremediável atingindo sua mente”, disse Joyce.

A época dos primeiros surtos, Joyce estava imerso no terrível, complexo, incompreensível e definitivo work in progress Finnegans Wake, cujas páginas ou lavra refletiam a crise mental da filha, tanto em seu progresso material quanto no conteúdo.

Joyce conheceu Léon, judeu de origem russa, fugitivo da revolução soviética, poliglota e bastante erudito e disciplinado, em Paris, no inverno de 1928. A propósito, Léon atraiu a atenção da Gestapo, quando, ao saber da morte de Joyce, em 13.01.1941 levou pessoalmente, ao chefe da legação irlandesa em Paris ocupada, a maleta marrom com as cartas, tendo sido preso logo em seguida, deportado e assassinado em 04.04.1942, em campo de concentração nazista.

A 1ª carta (20.07.31) trata da iminente viagem dos Joyce a Zurique, o último périplo continental, a égira, como dizia Joyce.

Lucía dedicava-se extremamente a seu pai (no que era correspondida inteiramente), e, enquanto nele vertia toda sua capacidade afetiva, sobre sua mãe, Nora, descarregava seus crescentes acessos de violência e cólera, muita vezes exigindo-se camisas-de-força para acalmá-la. Algo que Freud bem explica.

Joyce consultou Lucía com eminentes psiquiatras, sem nenhuma perspectiva de cura, o que ele não aceitava, e insistia a ponto de procurar Carl Jung.

Segundo Jung, a anima de Joyce – sua psique inconsciente – estava tão identificada com a filha que admitir a enfermidade dela equivaleria a reconhecer-se portador de psicose latente. Daí, Jung taxar de esquizofrênico o estilo literário de Joyce, do ponto de vista psicológico. Diagnóstico que Salvador Dali assumia para si mesmo, a nível de método de trabalho.

“Imaginar que esse gordo materialista suíço meteu-se a controlar minha alma”, reagiu Lucía Joyce, é inaceitável. Rejeito Jung e suas maquiavélicas insinuações pecaminosas.

Entre as tarefas de Paul Léon, além da agenda dos melhores psiquiatras da Europa para tratar de Lucía e dos problemas de colite crônica de Joyce que derivou para a úlcera do duodeno que o mataria, destaca-se a mediação das divergências entre Joyce e T.S. Eliot, na condição de possível editor  de Ulisses pela Faber and Faber.

A raiz dos conflitos, que redundaram no rompimento definitivo entre os célebres escritores, foi a correção das inúmeros, sucessivos e continuados erros de revisão dos originais de Ulisses, que pôs em questão a capacidade profissional dos linotipistas ingleses, face às inovações etimológicas, criação de palavras compostas (palavras – valise) e radicais modificações no léxico, na sintaxe e forma de narrar, que o romance trouxe.

Lucía Joyce faleceu em 12.12.1982, em um manicômio britânico, próximo ao asilo em que viveu, os últimos 10 anos até a morte, Viviane Eliot, amante de Bertrand Russel e mulher do poeta prêmio nobel, T.S. Eliot.

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Murilo Gun

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