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Nunca me imaginei poeta, até os 25 anos. Era um técnico, burocrata fazendário (como o fora meu pai – Cláudio Corrêa de Araújo, carreira que empolgou a mim e a meu irmão Pedro Cavalcanti de Albuquerque) e,

em honra disso, o meu segundo livro foi BUROCRACIAL publicado, sob um selo legendário: Edições Pirata. A palavra – título burocracial foi criada por mim, um neologismo bem adequado.

 

Tinha não só tintas tributaristas, mas aos 22 anos participei do grupo executivo que implantou o Cadastro de Contribuintes por meio de processamento de dados. O computador da IBM só cabia em duas salas grandes (na Rua do Hospício).

Fui diretor da SEFAZ em Pernambuco e, por efeito do moderno cadastro, fiquei à disposição do governo de Manaus, como Diretor da Receita, para implantar o cadastro (com um computador instalado no Rio de Janeiro). Deu certo, a receita aumentou, um senador aprovou uma moção para equipe... e eu – não ainda VCA – ia de vento em popa, nem sabia o que era poesia. Então... alguém só se torna poeta se houver uma epifania. Meu avó – Manuel Florentino Corrêa de Araújo – juiz de direito, jornalista – fora poeta... porém exerceu o ofício poético, para consolação terrena da perda da mulher – minha vó Sinhazinha – Maria Neomísia – aos 15 anos de idade quando ela deu a luz a meu pai... e perdeu a dela.

A epifania veio em forma de 4 livros – Poesia militante – de José Gomes Ferreira, poeta luso do nível de Jorge de Sena e Fernando Pessoa – mutatis mutandis. Comprei o livro na Zona Franca de Manaus, não sei porque, comecei a ler... e a flutuar na cama. Em função disso, aderi à meditação transcendental, deixei a direção da Receita do Amazonas, virei auditor fiscal (julgador de 1º instância e assessor do Secretário Plínio de Morais do Estado do Amazonas, que me tinha como filho.

Por dois anos, lí Gomes Ferreira e romances (uns 40) de Imortais da literatura. Não escrevi um único poema. Só o fiz em Natal-RN, em 1977.

Ainda solteiro, morando no Hotel Reis Magos, por 2 anos (depois descobri que o dono era avô de um amigo de infância de Murilo Gun: Breno Monte), comecei na poesia... até hoje.

A outra epifania foi monstruosa. Arrebatadora. Cruciente, maravilhosa: Jorge Luís Borges, poeta – logo, depois ensaísta e contista sublimes. Em 1883, publiquei no DIÁRIO um artigo: Borges poeta. Um assombro, ninguém sabia sobre a poesia de Borges... ele mesmo a negava, escondia, pois os editores queriam que a atenção se concentrasse na ficção narrativa, que conquistou os mundos.

Hoje, meu acervo de Borges chega a 600 volumes. Mário Hélio publicou, em 1999, centenário de Borges, 100 fragmentos de prosa e cem de poesia, escolha e tradução de VCA. Escrevi um livro volumoso (300 páginas) sobre Borges, deixei os originais com Antônio Campos, mas ele não possuía editora à época (2002).

Estive em Buenos Aires três vezes para comprar Borges. Estive com Maria Kodama, a viúva, participei da campanha para desmentir que Borges fosse o autor de Instantes, o poema que o tornou famoso. Não era dele.

A obra poética de Borges parece abarcar o universo inteiro. Para mim, ele é uma forma de Deus. A brusca revelação, o alto teor epifânico, a vertigem (que desencadeou em mim a leitura borgeana), tudo foi o início, em VCA, duma concepção lírica do mundo – que substituiu a política. Ou ultrapassou dialeticamente.

Os versos de Borges me atingiram em cheio e ainda hoje disparam o coração vital. O poema perfeito – Poema conjetural – leio todo dia.

Até então a linguagem (inclusive literária) não era muito algo que não fosse meio de comunicação, um mero mecanismo específico para entender e ditar mundo, espécie de publicação do íntimo... pós-Borges, entendi que poesia é magia, é sonho, é ilusão vital... e é para nós nos compreendermos e não para sermos compreendidos.

Agora, borgiano expandido, com o poema absoluto visionarizo a poesia ulterior, o ilimite poético, a linguagem redivinizada, o lirismo recriado, sem facilidades... só complexidades..., o que exija do leitor expansão cerebral. Leitor também remoderno.

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Murilo Gun

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