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Ficar velho é apenas tornar-se menos atlético, e mais filosófico. Menos animoso, mais reflexivo.

O ímpeto torna-se aríete (as ameias mais chatas), ou seja, os castelos continuam a ser derrubados ou conquistados, com menos devoção (e mais cansaço). A audácia vira astúcia. O cordeiro inocente – e de peito aberto -, lobo matreiro, coberto de pelos experientes, a alma anuviada pela imprecisão dos botes (além dos riscos de naufrágio). As decepções mesmo se sucedendo não valem.

 

De que acusam a velhice (objeto desses ensaios, cujo fim é atenuar seus lances e reduzir os deságios, moderar suas aplicações malfadadas), que efeito essa senhorita causa? Ela nos afasta dos negócios, desarma, reduz nossas forças (muitas vezes, multiplica em outras formas); faz-nos abdicar de certos prazeres másculos (mas não de todos, pois a série é infinita, conforme o sutra que levarmos à cama). Algumas, até, simiescamente, começam a se autoapresentar à velha (e digna) Senhora ou Dama Inglesa, a famigerada indesejada das gentes, conforme poetiza muito bem Bandeira.

Se, em competição injusta, para os jovens, perdemos a força física, a energia laboral – comprimida por dez, quinze horas por dia, o que é um gasto considerável – ganhamos deles o privilégio dos trabalhos do espírito, tão ardorosos – embora não tão fatigáveis – quanto os dos negócios. A prudência nos pertence, experiências vividas não nos faltam – e muitas vezes, vivacidade sobra, apimentada de ironia, mordacidade sábia, ou sarcasmos de anciões.

Quanto à redução da libido do velho (e da velha) é melhor não acreditarem. Isso é lenda. Velhos sem volúpia, idosas sem desejos e sonhos carnais vivíssimos, é mito (lembre-se que Abraão gerou Isaac aos noventa e cinco anos).

Envelhecer, sim, se for o caso (até o fim), se não houver outra saída, mas alongar o dia, exercitar o espírito lendo, escrevendo, ensinando, aprendendo.

Um programa de terapêutica literária está em desenvolvimento na União Brasileira de Escritores de Pernambuco, já em sua centésima quinquagésima sessão, chamada UBETERAPIA, laboratório de criação literária e compleição do espírito a céu aberto, para sócios e não sócios, entrada franca: Quarta-às-Quatro (antiestresse e antidepressivo sem comprimidos, (psicanálise coletiva, no pátio).

Platão morreu aos 81 anos, escrevendo os tratados que até hoje – mais de 2500 anos depois – nos desafiam; Isócrates escreveu Panatenaicas, aos 94 anos; Górgias, o sofista (da escola que gerou Sócrates e Platão), passou dos 100, faturando sofismas cada vez mais mirabolantes; e quando o interrogaram sobre o excesso de anos, apesar de sua aparente fragilidade, ele disparou: “não tenho motivo de acusar a velhice. Ela não tem culpa de nada. É sempre bem vinda. É uma graça!”.

Lição: não se pode, nem deve, atribuir à velhice nossos vícios e nossas culpas. Desânimos e cansaços. Desde que cultivemos o espírito.

Sófocles compôs tragédias até quase os 95 anos, quando se foi para os campos elísios gregos. Como parecesse descurar os bens familiares, foi pedida sua interdição pelos filhos, por mal gerência da fazenda. Perante os juízes, Sófocles narrou a tragédia que terminara – Édipo em Colona – e indagou: “quem escreve tal obra é demente ou incapaz de gerir simples bens materiais?”. Absolvido, voltou aos negócios do teatro e da fazenda familiar, até morrer, não de velho, mas de morte morrida mesmo.

É fundamental distinguir-se velhice de má saúde. Esta pode acontecer a jovens ou velhos. Abaixo, pois, a velhice velha, sem idade, culpada, a senectude inerte, a imobilidade da alma, a clausura do espírito, a velhice burra, preguiçosa, sonolenta, mesmo nojenta, entregue às baratas e aos cachetes; estultícia senil.

Eis a síntese na voz do poeta maior, Neruda: “Eu não creio na idade. / todos os velhos levam nos olhos um menino. / Mediremos a vida por milímetros ou meses? / A medida do tempo é outra coisa / um manto mineral, ave planetária / uma flor talvez, mas não uma trena. / Tempo, mental ou pássaro, flor / de amplo pecíolo / estende-te aos homens, floresce-os / lava-os com água aberta ou sol escondido”.

Do livro FIM DA VELHICE organizado pelo programa Quarta-ás-Quatro da UBE. Orelha de VCA.

Obs. O Pátio da casa Paulo Cavalcanti, denominação dada por mim quando presidir a UBE, é o lugar onde se instala o divã do espetáculo de psicanálise coletiva a céu aberto, que acontece cada quarta-feira. Hoje, 22 de junho de 2016, o movimento Quarta-às-quatro já coleciona mais de 600 encontros, sendo considerado o colóquio de letras e artes mais antigo do Brasil em funcionamento, há 13 anos.

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Murilo Gun

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