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Qua, Abr

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Claúdio Veras

                O caminho fica longe para o leitor “entender” Vital Corrêa de Araújo. (Parafraseio, com licença de José Rodrigues de Paiva, Vergílio Ferreira).

                Primeiro porque tal poesia ecoa no vazio completo. (É o que ele num poema chama “vítreo grito de pássaro na nave de nuvem da arquitetura do ar”). Ela (tal poesia vital) não quer ser inteira, transida do linho ou seda vetusta das convenções. Mas nua. Nua como a palavra veio ao mundo (dum sopro de Deus). Exatamente pura como ela brotou da boca Dele. Não quer ser passiva, personalizada, ao extremo íntima, maravilhosamente romântica “palavra em pranto”. Abrangente. Diplomática. Useira e vezeira do que todos dizem ou fazem. Empreendedora como soi de ser as coisas hoje nesse tempo bursátil, era de usura e virtualidades comerciárias.

                Em Vital,  palavra quer ser fragmento íntegro do universo, da verdade, do incerto. Quer ser um elétron a rondar em torno do núcleo do átomo da vida. O postulado da incerteza vigente na física cai qual luva na poesia vital.

                E isso se agravou – e muito, com os libretos editados por João Marques de Garanhuns (presidente da Academia de Letras de Garanhuns), ex-secretário municipal de Cultura: 13 poemas e Mais 13 poemas, Poesia Verão corpo de mulher. E Ovos de verbos (2012).

                A poesia de VCA lembra uma parca (grega), linguagem automática surreal, mas não o é. É sim algo em parte ditado pelo ID (título de um dos seus livros). É o ditame do inconsciente. Como o livro Cem ditames de amêndoa.

                É poesia(denomino) neoposmoderna. Só alguma jovem parca descrevendo uma geometria bêbada, um círculo desconcêntrico (ou excêntrico), polindo feedbacks, amestrando significados (proibidos) para que entendam (castíssimos ou incrédulos leitores) que o desentendimento poético é vital nessa poesia impopular.

                Dela emerge (não só o vazio pleno e o caos total) também o sublime do não dito ainda (ou indizável absoluto), aquilo que, citando Sébastien Joachim (em O destino poético de Vital Corrêa de Araújo):

                Dela, dessa poesia neoposmoderna (inimitabilíssima, nem ele mesmo (VCA) faz um poema parecido com outro) também emerge o onírico voraz em se fazendo realidade. Tudo vem da realidade. E vai ao sonho.

                A poesia de VCA é uma esfinge a devorar o pobre ou probo leitor, a leitora tola ou intelectual demais, desde que a decifrem. Se tu me entendes o poema me derrotas e eu te devoro.

                Em VCA (cuja leitura causa AVC), conforme S. Joachim, sofre-se (ao lê-lo) de sideração e tontura, porque é uma poesia absolutamente desautomatizada, desmatizada de banais sintagmas, com imagens jamais esperadas, isso num crescendo carnívoro, em clima de tumulto metafórico, no meio da qual selva selvaggia o leitor se perde devorado pelas panteras do significante.

                Em VCA (cuja leitura causa AVC, repito), há uma crescente exploração de poesia sem mínima emoção. Ou qualquer controle racional. Em cena, o poeta de alma seca.

                A visão do poeta está dividida (ou multiplicada, o que é o mesmo) entre o plástico e o verbal.

                Ele balança-se entre (plasma e sangue) plasmar e verbalizar para criar. Hesita entre o som e sentido, entre o si e  o outro, entre o Das ich e o Das es.

                E faz banhar-se de doce incompreensão o texto, jamais prosaico. Múltiplo. E de tensa(ou tersa) aflição acutila a leitora, jamais compreensiva. Crescente enigmático. Jamais concedendo fôlego exegético normal, comum, a leitor. Hieroglífico porque poético.

 

Murilo Gun

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