de Jorge Luis Borges
INSTANTES
Se eu pudesse viver novamente/ a minha vida, na próxima, trataria/ de cometer mais erros. Não tentaria/ ser tão perfeito, relaxaria mais./
Seria mais tolo ainda do que tenho/ sido, na verdade, bem poucas coisas/ levaria a sério. Seria menos/ higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais,/ contemplaria mais entardeceres,/ subiria mais montanhas,/ nadaria mais rios./ Iria a mais lugares onde nunca fui./ Tomaria mais sorvete e menos lentilha,/ teria mais problemas reais e menos problemas imaginários/ Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida:/ claro que tive momentos de alegria./ Mas, se pudesse voltar a viver,/ trataria de ter somente bons momentos./ Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos, não os perca agora./ Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro,/ uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas;/ se voltasse a viver, viajaria mais leve./ Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera/ e continuaria assim até o fim do outono./ Daria mais voltas na minha rua,/ contemplaria mais amanheceres/ e brincaria com mais crianças, /se tivesse outra vez uma vida pela frente./ Mas, já viram. Tenho 85 anos e sei que estou morrendo.
Nota: artigo publicado no Jornal do Commercio, em 24 de agosto de 1999, comemorativo do centenário do nascimento de Borges. Editava, à época, o suplemento literário do JC, o jornalista e filósofo Mário Hélio. Que também editava o Suplemento Cultural do Diário Oficial. Neste MH publicou matéria de VCA e Cem fragmentos de poesia e cem fragmentos de prosa de Jorge Luís Borges, traduzidos por mim, também marcando o centenário do gênio portenho. Vital Corrêa de Araújo.