Vi um anjo descer do céu face cadente.
Na mão chave do abismo resplandecendo.
E vi o olhar de Jano cair sobre a cabeça de um lobo faminto
(que o passado sepulta e o futuro defronta).
E vi o ano mil morrer cheio de chagas e gritos, lepra e prece.
O pânico beber seus olhos, o rosto
acorrentado a horas impiedosas
(era um velho cego, raquítico, árido
escorraçado por açoites de varas
para além do muro da vida, das tinas do tempo).
E vi o solo morder demônios e o selo vedar abismos.
Vi o sol negro, o saco de crinas, as hóstias enfermas.
Estrelas demolindo-se, a cinza das figueiras.
Homens desfeitos em pó.
E vi a loba esquálida que devora homens em declínio.
Vi a tribulação acasalar com a glória.
E o filho desanuviando-se e suas máculas celebrando.
Vi as dez tribos perdidas de Israel.
E rios passando homens, vi Sião fugir.
Vi na cidade de Megido, no campo Esdrelon.
E vi a ambígua noite cujo muro separa
o velório do velho milênio da cova
onde brota a nova manhã.
E vi o rosto de um homem erguido do lodo das horas.
Vi Jano contemplar barca de Caronte
com sua carga de sombras atravessar o Estige
rumo ao Hades terrível, longe do Eliseu.
Vi no Tártaro a alma do azeite.
E na ilha dos bem-aventurosos a sede de viver, o estertor.
Eu vi o cadáver do milênio na vala comum do tempo.
Conciliábulos invadiam devoto vestíbulo
de rumor incendiavam saguões.
Era a conspiração chegando ao fim
ramalhete de orvalho aterrissou
sobre a tonsura do pároco redondo
depositando ósculo úmido.
Era a conspiração chegando ao fim
(o termo final do delírio alegre da ira)
ramalhete de orvalho aterrissando
sobre tonsura do pároco redondo
depositando ósculo úmido
na circular calva santa.
Alcateia de secretos carneiros urdia
no recinto mais submarino da noite
mortandade dos lobos devassos.
Esquadra de códigos era inútil
para desarmar o acúmulo de naves coalhando
horizonte defronte de cada alma.
Bordel de hemácias ofereciam
a lentos transeuntes rubro fulgor
que por sua veia tentadora transitavam.
Matilha de especialistas desfiava
pecúlio de ricas anedotas e prendas raras
sobre asneiras de generalistas desempregados.
Turbamulta de ricaços se negava
a cobrir com tributos sonegados
rombo das contas do Estado.
Na roda de andorinhas
o de que mais se falava
era da voz dos pardais em revoada.
Um magote de PHDÊS consultava
corja de tratados abstratos
anunciando novos planos quinquenais falidos
desde a véspera.
A malta dos magnatas debruçada
nos balanços anuais avaliava
lucro de suas mensais espertezas.