Me ensimesmo
id a dentro naufrago
ir a esmo é ser
em si mesmo não ser
mas ser o mesmo e outro
eu sem sentido
esmo. Ermo.
“Si le monde etait claire, l’art
ne serais pas”. A. Camus
olhos são tentáculos de não ver.
O tempo escorre entre as mãos como água.
O tempo é de água.
As mãos são de água.
Toda alma é aquática.
Abandonar, perder
deixar-se embotar a palavra
ser noite renovada
noite rupestre, escandinava
buscar em cada perfeição
sua mácula, desdizer
de súbito a palavra
ser vazio como dia do homem.
Ao âmago nublado dedicar-se
devoradamente
a cada fetiche
dedicar um poema
o alumínio da palavra velar
a cada escura dúvida
negar-se
eis o viver.
Do cálice etéreo da primavera
colibri se embriaga
e o verão já assedia
sua sede.
Do tempo que o corpo consome
o que sabes (leitora inútil)?
Que a carne não tem trégua
que nas veias corre
férreo fulgor carmim
que os olhos pertencem à terra
ou que os sinos não batem em vão?
Desvanecer perante aridez
ou o que consuma todo sentir
em si mesmo ar ser
e ao sentido do passado dedicar
poema sem data ou nome.
Una-me tempo oblíquo
elo de risível hora e trêmula
alenta-me, torna-me
passado e futuro, livra-me
de ser cotidiano
a banalidade
adormece o espírito
(e a poesia).
Próximo fim
começo último
certeza não de si
mas do outro
extremos unos
na nu unção
do poema
(quando canta
a alta flor).
“A ética não trata do mundo (humano).
Ela é a condição (sine qua non) do mundo”.
Parodio Wittgenstein para falar sobre
o húmus noturno, partos de monturo e genealogias de alumínio.
Urdidura de céus sigilosos
catálises de nimbos
do teatro do ar títeres de algodão
(noivas ou nuvens?)
e arcabouços de açúcar etéreo.
Do urdume da palavra
ditame mais alto
voz que vença o caos.
(Após o poema hectares de suor
lavro do rosto).
À leitora qualquer: a poesia
explora o desvio entre
significado e significante
intenção e forma.
Olhe no mapa de Joyce
e veja o caminho de Dolly.