Facheiros alçam-se áridos
(antes dos arrebóis)
silenciosos candelabros
espaduados menorás, vergeis rezando
braços verdes, preces arbóreas
sais de orvalho copulando com sombras
invertidas parábolas, cálices
pétreo céu sustentando
colunas que fustes aureolaram
Deus esperando alguma lágrima
Todopoderoso pouco piedosa cobrando pranto
dos devotos áridos, faces de basalto
cardume de cardos abrindo gretas
de sequia nos alpendres das cisternas
Sino de luz dobrando o espaço, vórtice
vermelho rondando o milharal
vértices de silêncio iluminando a relva
o espetáculo sublime e áspero do cacto
do crasso átrio da caatinga pássaro
de água e espinho, de palma e dedo
verdes árduos renascendo dos olhos
ante feérico altar do meio-dia
por peras do solaço alimentado
pelos pinos da canícula pregados
nas tábuas de suor do solalto
sacrificando a tarde e seus cajados
canários bêbados da miragem molhada
sob órfico mormaço sede dura
mais do que eternidade cansada
de tão seco o páramo que ela abraça
estralando em sulcos do chão que arde
como estrelas sedentas do líquido brilho
por cegas vastidões sonegado.
Meio-dia o urde mais alto monarca
catastrófico fogo bola embalado
setas velozes pele do solo cortando
sertãs almas alvejando como navalhas brilhando
cetro de Zeus, aljava de Helios
ser ígneo que cavalos de Apolo conduzem
pelo ancestral espaço
aos nichos de pedra roubada do sono
da água sonâmbula e sublevada vapor escravo
Signo que a argúcia do cardo ilude
que aridez de Deus liquida
a sede o suor escorre pelas sílabas
do sulco lavado no ávido lenho
espreita a magnificência árdua do cardo
esperança que reste ao sêmen do tempo
fundando a vegetal inocência
que a palavra viola consagra
dedilhada do ombro do lajedo
da acústica verdura a sinfonia sonhada
os gérmens, as velas, cachos de pólen, esporos
de água, tudo abeirando o desespero
olhos bem altos, orações germinando
frutos da boca de Deus se fazendo úmidos.
A opúncia deixou atônitos os espanhois.
Mandíbulas dos touros detrata
palmas de opúncia ubertosa seiva
minando como se fosse luz de estrela
a torna espessa pasta, nata verde
(como te querem papilas cerradas
do bovino moinho, boca de granada
rende esverdeado creme
lucros peculiares, quilos
à pecuniária rês gera
preço e proteína
avultada e longa manada (usura do úbere)
suíte de couro homenageia ágio
e debêntures arrancadas à carne.
Até a fundação do ovo
(ab initio só existia Deus)
do útero das galáxias extraído
curso do mundo, cimos de fumo
era escuro, inocente, puro
imobilizado num átimo, num instinto encantado
quase coagulado num sítio ou veia
que o Demiurgo imaginara.
Incêndio de sarças anunciava a aurora
brotada das cinzas da noite cremada
canteiro de claridade florescendo
ventre do sol se espalhando
no ígneo e gótico jardim demiúrgico
que mênstruo da manhã avermelhara.
A opúncia deixou atônitos os espanhois
Opúncia cacto de espinhoso fruto
de gume verde e flores noturnas
cujos estômatos tenazes exibe
como prêmio árduo lídimo trofeu ergue
ao homem e ao mundo
e dilaceradas cerdas proclamam
a verdade é vegetal, o futuro é verdura.
Deus fundou o sal e o sangue.
O que significa claridade para o homem?
Por que as sílabas da manhã no trevo escuro
carrefur da náusea não são pronunciadas?
A opúncia deixou atônitos os espanhois.
Assim como óscines amam
néctar de flores opúncias
dons desertos idolatram
ausência d’água fortalece estames
(estremece sede horizonte ardente)
aridez conflagra sua força verde
vértice solar, lâmina jupiteriana, sal lunar
acendem coração vegetal
semovente pântano do rosto
ânimo instala na veia do mundo
ilumina sua energia vital.
A opúncia deixou atônitos os espanhois.
O poema ceva a página
no branco pasta. A opúncia resta.