Ao barqueiro Caronte e alfandegário banqueiro de óbolos sublinguais
moeda sombria que ele extraía
da boca não mais úmida dos mortos
como dente, passaporte, pagamento
da viagem para a outra terrível margem.
Quando passe o trânsito
e dure a sombra de Caronte
e todas as pausas se amontoem
sobre os rins dos hexâmetros
quando a treva dos olhos tornar-se
crua claridade
e sobre os torsos do silêncio abandonados
nas cruzes sem trégua dos caminhos
o grito derramar-se
que a eternidade apressada corra
das veias do vasto (veio infinito, duro páramo)
para longe das horas.
Quando seque o esquecimento suas cegas fontes
e apodere-se de lamúrias o espírito
o rio das sombras nos lave o lodo escuro
e o rumo incerto escoe
pelo ralo das certezas dos caminhos
enquanto vingue o ermo habitado da dor.
Quando a palavra ruminar o texto (alma)
e o grito da gramática acordar a mão
sílabas começaram a sonhar com o poema.
Quando o trânsito cesse a poesia chegue
e as margens tremerem sob o peso das sombras
a barca de Caronte será a salvação.