destaques
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Seivas exiladas

em tomos de abracadabra

contrainfecções de rima

exílios silvestres azuis

paraísos com pomos de lima

gônadas turvas ávidas crinas

tudo prenuncia a acre

concisão de medulas

ácido deleite da fartura

nas gengivas do lipídio

no prepúcio ou na esdrúxula carótida do verbo

mora o sorriso do abismo

enquanto infartos concomitentes acumulam-se

com anginas pectoris papais

nas curvas de cálcio das artérias.

Vivo a inventar pássaros

(do teatro do Retiro a cena voa)

ouvir missa in illo tempore de Montiverdi

e estou bem enquanto

(mesmo durante a morte)

evitar paranoia de purgatórios

além de improváveis estações do inferno.

Onde a parada dura.

Tantos aléns me cercam (e caem em mim)

montanhas de touros e estigmas pesados

das tardes abandonadas do mundo.

Pomares de silêncio e auroras perversas cultivo

acredito no tempo dos caules

e em horas de lenho

não na vez dos frutos.

As pálpebras do abismo são ilícitas

e velozes

fonte sonâmbula (como a que possuo na cabana de bambu)

emite rios de fulgores que tornam

a luz das trevas verossímil.

Abismos de claridade abrem-se

a meus pés diabéticos sempre com furores.

Só sei que a natureza se aconchega sábia

no colo tenaz de Anúbis.

De amaros candelabros e cegos retiro

lições de escombro.

Enquanto ladro de cães despedaça céus

eu aprendo, aprendo, aprendo

com as tardes carnívoras do meu corpo

e dos abandonados bares de Boa Viagem

(onde jaza a alma).

Estátuas embriagadas ainda do gesto demiúrgico

ávidas do golpe de metalurgia e relâmpago

(ou do excesso que Michelângelo sabia onde estava)

sob dobre de fagulhas - e metais vadios

que fuzilara os olhos das estrelas

e cegou esteta que primeiro registrou

as convulsões da aurora (agonia da luz)

e devastou escriba que manejou a palavra

talhou o clamor engendrou o grito

surpreendeu a manhã na relva do prado

arrastando-se como corça despedaçada por tigres gramíneos

e viu a luz pairar sobre sábados rebeldes

e viu o céu aviçar domingos tesos.

Murilo Gun

REVISTAS E JORNAIS