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Sex, Abr

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(Como o tempo, a montanha ou a colina)

            O poeta nunca sabe se o poema terminou. Não há como fazê-lo. O poema é inacabado por definição. Conclusiva, só a prosa... que, para não ser redundante, repetitiva, esnobe e dura, exige arte sobretudo.

Um poema–ou um livro–aparentemente acabado é aberto, e vandalizado noutro. E é o inacabado do poema que o torna poema e não peça prosaica versificada, com the happy end ou legal. Ao inacabar um poema, temos que retomá-lo com outras palavras ou não. Isso é o que se diz infinito da obra... e é o que dá foros de inacabável ao poema O poema é infinito como o espírito. (Ou estatuto de cidade verbal caótica ou não).

            Blanchot, conforme notas que escavei de centenas de cadernos manuscritos caotivamente dispersas e esparsas anotações sutis, diz que o poema não está acabado nem inacabado, apenas está... lá na página tanto. E nela está todo o poema, todo o sentido, toda a obra, jamais fora da página. Além ou aquém dela. Na história, sociologia, política ou outro lugar.

            Nada fora da página que é o poema significa. Se se quer que o poema diga algo fora dele, seja meio, veículo de dizer, bate-se no fanado poema nada exprime que não ele mesmo.

            A poesia não é real, é apenas manifesta. Na página (da alma ou não). O poema de certa forma dispensa o leitor, pois ele é poema autônomo, algo em si, que dispensa o outro, mesmo leitor. A poesia é uma afirmação do ser, assim, maior que o poeta em seu trânsito ocasional pelo mundo – que pode ser ilusão, conforme Berkeley, teórico do solipsismo.

            O que o poeta mira ao escrever é o poema, não é a ação poética, mas o poema em ato, cuja matéria independe da verdade e do mundo... mesmo da verdade do mundo.

            Ilusão não se cria, faz-se como a luz.

            O livro de poemas não é a publicação do íntimo. Estou vazio, eu deserto em mim, a rima fugiu, o ritmo mingou. As palavras se exilaram da página ou saquearam a alma, então não sou poeta, sou apnéico e verboso.

            O poema habita a sombra da palavra, palavra que ele escalavra. Assim, o poeta se senta à sombra do tempo e crucifica a palavra no regaço da página, sob a cruz da caneta.

            Se senta à sombra do tampo da mesa e se acasala com palavras na cama da página. A alma busca asilo na poesia.

Murilo Gun

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