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Qui, Abr

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 Não se trata da busca do sentido perdido (ou abrir a vital arca do significado), mas de perder os sentidos, ocultá-los, tornando-os indecifráveis, isto é, não fáceis, desimediatos, dá-lhes o resplendor do mistério. Os gregos antigos (clássicos) consideravam o poeta possuído por deuses, portanto em estado de delírio, em que a perda do sentido (da palavra) era fulcral. De enthos (possessões por um deus) vem entusiasmo.

A questão crucial é que atualmente (2015), no Brasil, a poesia cada vez vem a ser mais romântica, mais íntima, mais denunciadora das condições objetivas (ou emocionais) em que o poeta vive. Mais imersa no lócus, no ser ou do mundo e não no não-eu, no todo. Daí, a tendência de impor-se limites ao significado. Quando limitar-se (isto é, pôr dares limites à significação) ao dizer direto tornar bem explicito o “tema”, açular a perspicácia, é reduzir o poema a um tipo de prosa versificada. Empobrecê-lo. E assim iludir o pobre leitor cuja mente passa a funcionar como aquela do leitor de fins do século XIX brasileiro. Em síntese, limitar a significação equivale a buscar (ou proporcionar) sentido único, óbvio, prático, imediato: sentido inequívoco no poema. O que in limine elimina toda a riqueza do polissentido do poema. Toda uma mina de significância se reduz a em traste de sentido unívoco. E sem magia ou desafio.

É vital à poesia absoluta nunca jamais limitar os sistemas, as possibilidades ou formas de significação unicamente aos significados. Isso não faz sentido. Embora, o poema sem sentido claro (ou com muito sentido obscuro) seja a finalidade da poesia. Seu mistério aí habita.

Quando se diz (como Mallarmé) que poema é feito de significante, não de significados, não se está a restringir-se a fonema, palavra no sentido vulgar, normal, prosaico. Mas, sim, à palavra lírica.

Os significados diretos, úteis, “produtivos”, estabelecidos a priori forma a rede, o esquema, a trama ou teia de que se impregna a ideologia da sociedade vigente, o cipoal que prende o imaginário humano, por temor ao futuro que a imaginação proclame (no caso, a imaginação verbal livre – tão subversiva). Trata-se de um sistema de significação (aparentemente pleno) limitado, embora estabelecido para sempre. Sair do marco da rima da marca ou fronteira métrica é temerário. Os marcos da “expressão” poética estão bem visíveis nos sagrados tratados de versificação (há mais de cem anos estabelecidos, sob a ótica da eternidade).

Essa espécie “normal” de poesia é a que gera o poema denotativo ritmado, medido, escancionado aos dedos.

É lógico que qualquer poesia é composto pelo originário conjunto de linguagem articulada. Obtida a partir de uma práxis informativística. A prosa é (quase como se fala) do campo da denotação.

A poesia, não: é da égide da conotação (que é uma espécie de metalinguagem).

Ao violar o sistema objetivo, unitário, superior de sinais (verbais) que é a norma (que a rainha gramática severamente impõe – e que o poeta só sai desse círculo com a devida licença poética), norma essa preexistente, acima, soberba, absoluta, o poema absoluto – embora viral – é infeccioso, fractal, obsceno, sem sentido, louco e a flutuação, do significado pura heresia.

            Ao insistir na forma (significante) – até agora descurada em prol da substância -  a poesia absoluta se põe à frente de todo esse rigoroso passado que vivemos poeticamente, no Brasil. (Embora na prosa literária a coisa não tá menos preta. Machado é – 120 anos depois de morto – o romancista mais vivo do Brasil: modelo, padrão, absoluto, superior à toda a laia que precedeu, algo sagrado. Agora, 2015, a menininha e sua in-fidelidade é tema de livro...).

            O significado ou pensamento (o sentido lógico, útil, cientifico e vital à comunicação ordinária), bem como a palavra (material sonoro, gráfico, forma linguística – gramatical do conteúdo ou a forma fonética) são substâncias (não são meramente  formais, na acepção comum). Embora, insiste-se, não se faz poema com ideias, mais com palavras não se deve limitar os sist                       aos significantes (às substâncias).

            Essa forma linguística (a palavra) é a forma instrumental (de comunicação) e de expressão de significados, pensamentos, portanto meio técnico com fins objetivos, e difere da forma poética, que não tem objetivo de comunicação, de transmissão gramaticalmente, certa de sentido claro. A poesia absoluta é gramaticalmente incorreta. Eis sua seiva, gera veio.

            A poesia utiliza a mesma forma linguística (a palavra) é forma linguística da prosa, porém deformadamente, graças à utilização massiva de figuras excepcionais (as tais metáforas e hipermetáforas absolutas), que abandonam o cravo denotativo e imergem na selva selvagem conotativa.

            Ao funcionar dessa forma deformada, a poesia nos traz alto desconforto a leitor fácil (que representa mais de 99% do público “leitor” de poesia no Brasil d’hoje. Habituados a entender de logo, a degustar sem mastigar o sentido (romântico, pessoal) do poema. Por isso, costumo dizer: minha poesia é para os não habituados, para os habituados, não é poesia.

            A arte conotativo do poema de imaginação livre (não verso livre) do leva á produção (nada artesanal ou industrial) de inéditas e peculiares associações de palavras e rebuscamentos de significados que literalmente sufoca o leitor, criando-lhe severas situações de dificuldades de “entendimento”, que o faz recusar, aprovando com a questão: a insuficiência é minha ou do poeta?

            Quantos (embora poucos) não pensaram assim ao meramente abrir por acaso uma dos meus vinte livros de “poemas”. E eu (VCA) acho é graça pura.

            Não se trata – em poesia – nunca de comunicação, de expressão. Não, nunca, expressão de sentimentos, ou moralidade (política ou não), ou admiração ou ira ou inquietude ou solidão, frustação etc.

            A exatidão, a direção ou equivalentes do poema (com palavras diretas, corretas, exatas) nada valem. O sistema gramaticalmente, idem. A poesia transcende tudo isso.

            Não obstante, é vital fugir dos sistemas conotativos estabelecidos retoricamente.

            São movediços, pantanosos – típica giboia verbal.  

            As figuras codificados da retórica tornam-se lugares comuns – e poema que contive-los não presta. A retórica regulo por quase dois mil anos a significação literária. E como tal é perniciosa à poesia (que objetiva infinitos significados).

            Ao dar-se o raptus estético via salto inefável e dialético do poema absoluto, o poeta – como o leitor – gente a catarse em sua carne (viva).

            A poesia absoluta rejeita toda a ideologia literária dominante no Brasil (d’hoje e sempre). Ela não é reflexo de uma época, é seu refluxo.

            Desdenha o poema absoluto o pensamento como reflexo do real (aparente) eterno (sem retorno).

            Ela é poética utópica, que “reflexa” o futuro humano. E não só as dores do tempo (os achaques da hora).

            Em suma, não de sentimento, percepções pessoais (solitárias ou não) ou vontade (inspiração) poética, mas de iluminações e saltos (lírios dialéticos) é feito o poema.

            A magia da incomunicação poética deve ser preservada a todo custo vérsico.

            A técnica é nociva à expressão artística, porque ela limita, padroniza, adapta a seus moldes o rumo livre da arte.

            Na poesia, a técnica (meio e não fim) embota o limiar poético ao traçar o limite técnico em que o poeta se possa mover.

            A forma técnica (presa a manuais de métricas, serva de dicionário de rima) é espetacular óbice à invenção poética, pois impede o livre borbulhar do imaginário, com suas regras estabelecidas e duráveis.

            Os ácidos (perniciosos e duros) do laboratório da versificação (os instrumentos de tortura poética que são a métrica e a rímica), o cortejo das regras no palco paradigmático da gramática (austera e antiga senhora dominadora ou censora da página), a fabilidade quase física dos verbos preparados em tais laboratórios cáusticos, tudo leva à acidose poética que ulcera tantos livros (bem intencionados, deveras). Sei que tais argumentos contrariam. Por isso os esgrimo com tal persistência, maior coerência e plena altivez.

            O problema (de não entender poesia absoluta) reside em que tal não é heresia, porém modernidade absoluta, incompatível com um país atrasado (por causa do povo que é vulgar inartístico, para quem cultura só a popular). Os coitados dos pobres leitores de poesia brasileiros sofrem... quando se deporam raramente com um poema absoluto. Como se entrem de paráfrase (isto é qualquer soneto pode ser lido prosaicamente), vomitam ou no mínimo enjoam a cada expressão inefável. Buscam a tradução semântica do poema lido da mesma forma que um náufrago a boia vital. E esta é absolutamente irrelevante.

            Relevante (e poético) é a intraduzibilidade semântica (denotativa, gramatical etc). O seu alcance assemântico vital.

            Ele, esse tal leitor fácil, elementar. Relativo, parcial que só, quer e requer transferir o “conteúdo” poético para a língua normal, sentir diretamente a denotação emocional (ou ressonância de suas        particulares que só a ele interessam). Isto é, o tal sentido (ou mensagem), que o concede lírico – e inútil – orgasmo etc.

 

Murilo Gun

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