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Qui, Abr

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             Para o poeta, desde Rimbaud, Valéry, Pound, Perse, Octavio Paz, Guillén (Jorge) etc, poema é inexplicável, no sentido de o que se quis dizer ou qual sentido - prévio ou não, acabado ou não, preciso ou não, foi impresso à página poética? Como uma alma ao corpo.

Por que, se (o) poeta (o) dissesse e o que quis dizer, simplesmente seria um novo (outro) poema – e melhor, que substituiria por completo o anterior. Por que não é o que quis(-se), é o que está dito, literal e em todos ou quaisquer outros sentidos, possíveis, impossíveis, imaginários ou não. Vide Rimbaud. Ou Patti Smith.

            Assim, com base nesse alicerce, nessa crença arraigada e funda, fundo, arrimo, embaso, crio meu incriativo método poético. Superincrio. À base da retórica (criativa) de Rimbaud. E ao modo (inimitável) de Lautréamont (Ducasse uruguaio sublime). Faço amálgama poético do âmago, não do ego. Tendo não encantos, mas desencantos.

            Ora, voltando ao fulcro: se pudesse explicar o poema, dizê-lo de outro modo, diferente do que o disse ou formei-o, compus-no, teria-o feito ou dito, ou formado, ou composto, de outra maneira (mais complexa ainda mais criativa – ou in mais “on”). É lógico! Ou ilógico (tanto faz).

            Os poetas são como um deus que não sabem o que fazem. E o fazem no sentido divo, demiúrgico, criador “in”. E não o sabem melhor do que os exegetas deles.

            Platão, Derrida arrisca, com base em sua concepção neoposmoderna de poesia, apenas não entendeu, e explicou o que os poetas disseram ou diziam – sinceramente ou não, isto é, o que disseram ou indiziam ... e os estranhou.

            E concluiu (.......): o melhor é a prevenção. Vou marginalizar (esses marginais da palavra) os tais, premiar-les com exílio. Fora da república... já que aqui não serão nada úteis com essa algaravia selvagem, esse silencioso baralho de palavras, sem naipe certo. Verbo da mão esquerda, rima sem coração, pura anarquia verbal.

            É pela inclareza da informulação que poeta esclarece – e bem, o mundo (e ele, e a ele). Torna esse inóspito hímen das coisas mundanas e cósmicas complacente e perfeito (ou incomplacente e imperfeito, o que dá no mesmo nó). Poetas neoposmodernos é mais que complexo, é inglório e mesmo meio bastardo. É sua vantagem. Por não ter opinião (doxa) fundada em superficialidades extremas ou baratas – e profundas, cravada em alicerces mentais (e) idiotas. Porém, uma visão fundamentada, edificada em inalicerces exatos, em caos (produtivos), em edifícios de ruínas racionais, sobretudo. É que tal poeta o é. Não quer convencer ninguém (qualquer leitor ou outros) de nada, longe disso, deletar convicções, apagar concepções superficiais, falsas, usurárias, comerciais da vida, do homem, do ser, das coisas, da sociedade. A opinião do poeta, fundada ou não, só interessa a ele, não a mais ninguém do mundo. E se ele a exara, exaura-se, despede-se como poeta. Ou torna-se de álbum e salão. O que não é nada. Nada.

            Todo texto poético é inconvicto (por natureza), inglório, fragmentado, inacabado em si. Mas não é mesquinho. Dele exala injustiça completa, ele respira íntegro fragmento, nele instala-se a loucura direta das palavras. E é inultrapassável, sempre mediato, ímpar e pária (em relação à pátria dicionária – ou parnasiana, da palavra).

            Essa questão de “linguagem poética” aspeada é perigosa. Dúbia. Insentida. Ciladada. É algo tal àquela fina região feminina entre cu e boceta. Terra de ninguém.

            Poeta (poeta) é um inconsolado. Nada mais. Nada menos. Vive sem consolo de palavra ou leitor. Viva a intemperança da melancolia noturna (bíblica, negra) do poeta (poeta). Amaro ser difícil, marginalmente doce, antiácido (embora ainda psicodélico) porém venenoso como víbora do verbo no escuro da página sem alma.

            Trata-se de um miserável da palavra.

            Os objetos poéticos são os menos poéticos para poeta (poeta). Só objetos inconsoláveis chegam ao poema.

            À miséria do mundo, a lógica da linguagem.

            Poeta absoluto dedica-se ao infinito ou púnico silêncio celeste, à visão íntima do brilho cósmico, ao silêncio da infinitude ou das coisas absolutas, mesmo inúteis. 

            À injusta medida das emoções também.

            (Ouço o infinito da página fronteira, infronteiriça, ilimite, apanágio, incerteza, óbice, liberdade (branca ou não) do poema. E ao ouví-lo sou ínfimo, porém poeta).

            Começo aqui (quando?) os dez cursos sobre o rio estancado, a água coagulada, o ribeiro estagnado da poesia (hoje – quando?). Como?

            Só o livro existe. Desde Mallarmé (a gênese).

            Todo o (meu mau) procedimento de enunciação parece contra leitor. Não é. Ao contrário. Contrario leitores à beça, amo contrariedades leitorais.

            Tudo é desreino. Nada é real. No reino humano. Só o relho. Ou o reio. Nem o tempo não é real. (Porque real é humano). Só o é a forma do tempo.

            No início, não foi o verbo. Foi a verba. Ao menos no Brasil.

            Arrisco veredas metafísicas. Que se não levam à verdade alguma, tudo bem. Consolam. Aquietam. Imovem.

            Se a razão tem desrazões (ou uma só). Que só ela sabe. Então... E o poema?

            Tudo é palavra. Nada mais. Tudo é mesa rasa, cheia lua, plena inutilidade o mundo, oca hemácia, ceia insana, pão vazio. Tudo.

            Penso existo. Logo não sou. Logo é Deus.

            Há representante em poesia. Não há representado.

            A palavra eu contempla. Ela faz o poema. Não eu.

            Sem contemplação.

            A poesia (como qualquer literatura) não pode ser só poder, mas conhecimento também.

            A mais sólida (e nunca coagulada) água poeta dedique-se.

            Contemplo acaso. Como Valéry contemplava da varanda do seu espírito a eternidade (nas tardes francesas amenas e indevassáveis).

            Toda empresa poética é louca. Por definição. E natureza. Por ser. Poesia. Que injustifica tudo. E assim é justa. Justamente injusta.

            Assisto ao parto do futuro toda tarde. Ao fim do sol. Que assiste o poema do acaso. Dá-lhe rédea, certeza, não obviedade. Verdade ululando.

            Tábua plena, ser total, unidade múltipla, apodítica certeza – efêmero nada, volúvel idem, novidade. O poema.

            Do tear do acaso retiro a trama da palavra que será poema. (Será? Sim!) Dessa teia de caos assíduos e acasos plenos, fio o poema. Na roca do absurdo. E inúteis certezas expulso da página. O poema é como um pássaro inesperado, de quântico cântico. E voo imaginário pleno.

            Eletrolisa os objetos, dissocia-os dos conceitos vãos. Coroa-os de ruínas sãs. Dos ânions e cátions, que venham das estrelas do verbo, são feitos os objetos (das palavras, pelas palavras, nas palavras, para as palavras). O céu é apenas uma palavra. Deus outra. Este apenas independe de dicionários. Compete ao imaginário.

            O signo (poético ou poeticante) como meio de (pura) expressão, não veículo de sentido. Scania Vabis de significado. Contêineres de ditos.

            Signo, meio de ir ao objeto. Poema, de sair dele. Ser algo tudo e autônomo. Ou meio meio usado pelo objeto. Para ser.

            Signo, algo em si e em outro. Em si, poesia. Em outro, prosa.

            Poesia, meio de expressão. Não de depressão.

            Na relação com objeto-mundo, a poesia perde substância, despoesia-se muito.

            Denoto, logo não sou poeta.

            A literatura é uma linguagem. Linguagem cifrada. Egípcia. Abstrata. Abstraída do ego.

            Decrépito o poema não decriptável. Ou decriptado. Isto é.          

 

Murilo Gun

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