Vital Corrêa de Araújo
Tirésias viu a noites sobre noites
contemplou lumes cansados.
E olhou vísceras douradas ou facínoras.
Tocou as luzes da carne. Emudeceu.
Tirésias viu a noite
Nas entranhas da íris.
Sorveu suas seivas silenciosas.
Farejou alfombras, emudeceu.
Deuses tumultuosos
ressonaram em seus lábios.
Sibilas bradaram
em seus olhos finitos (e tão infinitos).
E aves de pranto corrompido
seu rosto revoltado.
A morte peregrinou na face
e bebeu lágrimas
nas campinas do corpo.
Visões de abismo se descerraram
mas a íris não atraiçoou
a nudez dos objetos
nem a palidez dos seres triunfou.
E o rubro adormeceu como coivara.
Rudes amarras foram varridas.
Quilhas todas domadas.
Eunuco é o tempo de tanta desgraça!
II
A barca do silêncio
da boca de Tirésias navegou
para mares mudos
e longos calados
abandonado o fatigado sem viço
pais dos olhos.
III
Cristalino abismo
ofereceu o gótico
à fome dos homens.
E o sexo das metafísicas foi publicado
nos anais sádicos da vida.
IV
Tirésias é um lince
e seus olho
punhais azuis acesos de agudos ametistas.
V
É a noite
é uma metáfora fera álgebra escusa.
O oblongo símbolo do absurdo.
Luz de treva que o neon cancera.
VI
E o abismo
o espelho da cupis da eternidade
(imagem de um tempo que se autodevora)
Que Tirésias contemplou
com o unguento longo
de seus olhos ubíquos e visionários.