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Qua, Abr

destaques
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Partilhemos cada estilhaço de silêncio

saliência de volúpia e desencanto

(fração de grito ofereçamos a tigres mudos

para que o estraçalhem completamente

detidamente o jangalizem)

de cada sulco de estrelas retiremos

húmus divino, brilho exausto, luz morta

enterro anão ou não, quântica explosão

(das estrelas morrendo herdemos hiato distante

ou antigo como eternidade ou hino

traço que corta o tempo até nossos olhos fantasmagóricos)

muralha da veia desabando

as pálidas câmaras do coração paradas

como um túmulo de areia enfrentemos

(eu e tu, leitora, nunca hipócrita, suprema)

as entranhas de pedra  do teu nome

oferecemo-las a Prometeu encaucasolado

num mito (entre parênteses) e solitário

 

a substância de Deus que nos  embriaga

de um trago só engulámo-na

para o bem real da alma e olhemos

com olhos vigilantes do iníquo e da canastra

(do incrédulo e da carótida)

ascensão plena dos anjos

pelas plagas célicas, paramos de nosso credo impuro

aplaudamos todas as pedras do coração rebeladas

e não perdamos cada esboço  ou ração

do sol do espírito devotado  in totum

a essa empresa da mão, lutemos

pela completa liberdade do abismo

votemos na voragem, democracia do desejo

contra os decretos da abstinência e impiedade

ergamos toda a nossa fúria e bananas

bandeiras despregadas, estandartes impolutos

medidas provisórias da insaciedade

todas as cegueiras estimulemo-las

 

porque são puras, inocentes, crédulas

porque a luz do incréu (que perduro) não as atinge

pelejemos sempre por tudo que não traga

aspereza e intempérie à alma

porque assim é a vida que deus

inoculou com raiva em nosso corpo víbora

(pasto de luxúria, território de usura, lugar da morte)

encantado pelo prazer da pecúnia e posse do gado

moeda que paga a venda de nossa alma

(esse nosso Guia vicioso

não sabe o que é trégua e ama o abandono)

entre um sopro e outro beba

um trago desse vinho delirante que é a vida

o sangue correndo como cavalos

na hara intranquila da veia

como lua cheia de trombos e vazios

 

 (pelos prados desembalados e invencíveis

abismos devorados, combalidos

                                  pelo sal insaciável da vida

sublevado sal cego e íntimo

                            sempre solapando a alma).

 

 Ingira, morda, dilacere logo

o néctar escuro do ser

em direção à treva definitiva

(rumo ao destino mortal e ávido

a nós reservado minuciosamente)

para a qual somos devotados

implacavelmente dirigidos

a todo instante apresentados

quase sempre entregues sem armistício

 

 orientados hora a hora sem contemplação nenhuma

inapelavelmente  jungidos, jogados

nem quedas suspensas em suas vertigens

nem cordas enforcadas da harpa da vida

– e suas melodias suicidas, ritmos agônicos

                                                     impedem

esse desiderato, essa vontade (ou despropósito)

nietzsheniana de Deus (e seu cajado duro)

 

 que nos pastoreia como carneiros

dirigindo-nos ao redil onde junge o jângal

de nossas almas desconhecidas ao incerto

porto de nossos corpos indefesos

fracos, púnicas, carnes passivas

(sacrificadas ao prazer, à inglória

da usura do lúbrico e da náusea monetária)

precipícios tragados (e o poeta a eles entregues)

como carta exposta de um velho baralho

 

sem manga ou trunfo (coringa pútrido)

que nos atenda, retarde, procrastine, pertube

 

(atro baralho do destino

aberto às veias do infrutífero

 

fechado em copas em nossa mão

de ouro espúrio e náusea sem perdão

 

trincado naipe de opala e espada

jogada em que o destino é vilão e pátria).

 

Todas as transfigurações embriagadas

todas as metamorfoses cruas (e sem data)

todo o advir estrangulado

tudo o que renasce morre

todas as transformações paradas

a imobilidade grassando na praça do espírito

 

 todas as canções salvíficas emudecidas

os hinos angélicos no esôfago de Deus presos

trancafiados no desejo melodioso do nada

tudo o que diminua o homem

ou o demova da soberba

do orgulho indecente, da narcisidade ímpia

nos é imposto,   pelo Criador

Sua clava justa sem trégua alevantada, eufórica

como o sol da primeira manhã do mundo

para que nunca esqueçamos

por uma mostarda ou grão de glória

do Seu amor

 

seja na forma de lince, crótalo, cicuta, ira

sutil veneno, apego, aceno nu

ou rendição completa

(ou hesitação pecadora).

 

 

 

 

Murilo Gun

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