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Qui, Abr

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Arnon

Na teoria, e até consta no livro da Bíblia, que tudo muda, e muda o tempo inteiro. Acredito que sim, mas em parte, e em parte, tudo se repete.

O mundo evoluiu e as pessoas, também, isto é, algumas pessoas, alguns lugares. O que gosto mais na  evolução é poder usufuir da tecnologia. O ar condicionado, a geladeira, a luz elétrica, a televisão, o computadodor, a internet, o celular e suas variedades. 
Viajo bastante por esse Brasil e passo por capitais, grandes cidades, vilas e vilarejos e tenho certeza que em alguns lugares, não suportaria passar muito tempo ,morreria de tédio, um deles é o lugar em que nasci, de onde sai há 50 anos e , hoje, passei em seus arredores. Esses lugares têm nomes estranhos, como: Ah Zevem, Quati, Iati, esta é a cidade sede. Nestes lugares nada mudou, e se mudou foi para pior. Continua do mesmo jeito que deixei, e devido a uma seca monstruosa que se arrasta há três anos, transformou-se no Inferno de Dante.
Por uma estrada de terra batida, ao entardecer, ia devagar para observar e tirar algumas fotos, enquadrei uma criança, desnuda, com mais ou menos da idade em que deixei aquele lugar. Fui tomado por uma grande emoção, uma grande tristeza e nostalgia. Um instante senti-me satisfeito de ter ido embora daquele lugar, ainda criança, tive condições de estudar, mudar a minha história, ter tido outro destino, pois sei que, mesmo que alguns discordem: “O homem é o produto do meio”, com raras exceções. Aquela criança olhava, no vazio do que não mais existia, o que acabou, é que neste torrão nordestino tudo parece não ter mais jeito.
A falta de chuvas deixou que tudo morresse. Até uma árvore que tem uma resistência grande, por suas raízes perpediculares, chamada algaroba, está secando, nada suporta as intempéries do tempo.

Estão morrendo o boi, a vaca, o bezerro, o jumento, o jegue e o cavalo. O vento sopra e sopra muito, leva todas as nuvens, a desertificação continua se rafirmando nesta região, o projeto de transposição do rio São Francisco, “O velho Chico”, teve suas verbas irrigadas para os bolsos largos dos políticos. A vida é tão sofrida por aqui, ou está, que tudo dá tristeza, assemelha-se e vive-se uma eterna história do Zeca. A música do Luiz Lua Gonzaga, “ A triste partida”, continua atual como nunca. Se as chuvas, ou trovoadas de janeiro não chegarem, só sobriviverá camelos nesta terra de fogo.

O sol nasce e se põe e leva, mais um dia, a esperança dos rostos desse povo sofrido, envelhecido precocemente pelo trabalho árduo na luta para não ver um animail enfraquecer, cair e não mais levantar. Não dá para descrever o que vivenciamos , aqui, só um filme, um vídeo teriam condições de mostrar de uma maneira fria o sol causticante que mata todo o verde e toda vida que há por aqui. Observa-se , perfeitamente, onde havia uma lagoa, um rio, ou um açude. A noite é uma das mais belas, parece até que as estrelas descem para chorar com a gente a dor que teria um alívio se um décimo da água que caiu no xerém, favela do Rio de Janeiro, caíssem no cuscuz dos nordestinos. Sem que a estatística observe o nordestino continua migrando, outros estados, outros lugares onde a natureza presente com nuvens e que se desmancham em líquido. Aqui, só ficam os velhos, as viúvas, as crianças e as moças solteiras, de que não sabemos o destino. Só restam saudades e letras que há séculos são entoadas e nunca ouvidas, pois, chuva por aqui não depende de oração, senão teria virado mar, com as letras cantadas pelo Rei do Baião. O nordestino sofre há décadas por imprudência e imprevidência; o governo fez sua parte, quando trabalhava em uma instituição financeira, os governos federais destinaram muitas verbas, a fundo perdido, para construção de açúde e plantio de palma forradeira. Empréstimos para custeio e investimento não faltaram, infelizmente, os imprevisíveis nordestinos acharam melhor consumir carros novos, festas, gastos diversos, sem prever que o sol sempre volta a brilhar o ano inteiro, de cinco em cinco anos, e isto é bom para quem vem do sul e do sudeste ou de outros países, os turistas, que encontram nas nossas praias águas mornas e um céu ,eternamente estrelado, as nuvens só existem por aqui, para mudar a pintura e o quadro azul do firmamento.

“No nordeste, quando a safra não é boa, até o sabiá não entoa”.
É imensurável o prejuízo. Já perdemos mais de um milhão de cabeças de gado e para recuperar isto são necessários vinte anos, no mínimo. Mas, nem tudo está perdido. Um galo ainda canta pela madrugada, para acordar o sertanejo às três da manhã, para tirar o pouco leite e preparar o bagaço da maniva, a cama de galinha, a palma forrageira desnutrida, e com um pouco d’agua o animal engole o lixo que evita, ao menos por enquanto, a inanição.
A noite, antes do pequeno descanso noturno, o homem fica esperando, em frente à televisão a previsão de chuva, cujo noticiário prevê água para todo o Brasil, menos para o nordeste. Essa faixa fica amarelada no mapa e continua a eterna tristeza para quem sobrevive da criação e da plantação, nesse torrão de sofrimento, de muitas tradições, muita cultura,das melhores festas, carnavalescas e juninas, a melhor culinária, os maiores e tristes compositores.  Mas, nossa fé não acaba,  logo virá a chuva e todos sovreviveremos, porque, como disse o Euclides da Cunha: “O nordestino, antes de tudo é um forte”. Eu, no entanto, de minha parte, continuo afirmando: “Tenho orgulho de ser nordestino”.

Sítio Mina Nova - Iati (PE) , 20.01.2013

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Murilo Gun

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