Quem plantou a primeira pedra desta catedral?
Quem mudou suor em monumento e tornou o mármore imortal?
Quem aos arcos ensinou a serpentear
e forças ofereceu à raiz da cúpula?
Que olhos coloriam vitrais e de que sonho emergiu o seu azul?
Que fogo brotou dos tijolos e clareou caves rudes e corpos profanos?
Quem sulcou a terra e semeou grão de pedra?
Quem suspendeu as paredes e construiu a esperança?
Quem fez abrir do chão rosa dos mosaicos?
Quem busca na proa alta desta nave de fé e grito águas do armistício?
Que mão imaculou a cal e cinzelou
as severas geometrias da carne?
Que mágicos cristais habitam pele de álamo e granito
desser hélder da fé, amante do fervor do povo?
Que rio se avoluma no sangue
a pulsar e meditar a cada instante?
Que visões áridas desvendaram teus olhos sem limites?
Quem magoa te dilacera e engrandece o espírito?
De qual candelabro nasceu-te luz lanceolada dos alicerces?
Que gestos esculpiram capiteis de tua obra sem limite?
De que coração emigrou esperança rebelde que te habita
e nunca dormiu nem sonhou com desesperanças?
Quantas longas dores e lentar agonias
tuas pedras purgaram silenciosas ?
Quanto infortúnio tua palavra amainou ?
Quantos demônios tua mão amansou?
E tempestades que adormeceste com a paciência e o olhar?
Quanto uivo eco de tua voz domou?
Quantos vândalos tentaram-te violentar a porta aberta e dobrar o teu altar ?
Quantos déspotas te temeram até à raiz dos cabelos?
Quantos títeres sorriram ao flagrarem em teu semblante sulcos de desencanto?
Quantos temeram a tua bondade, a tua sotaina e tu negaram a crença na vida?
Quantas blasfêmias te jogaram no rosto teus inimigos cautelosos
violadores de teus pincéis e apanágios ?
Quantas léguas de sonhos levas em teu peito de pilastra
em tuas mãos cheias de utopia azul jamais gasta?
Quantas conchas de perdão cabem em tua mão
câmara de fé e aluvião?
Quanto o injusto te tocou com sua clava sem fé e sua insânia sem nome ?
Quanta lágrima varreu as treliças da face
quando a brutalidade se abateu
sobre casto corpo de teu irmão?
De onde medrou a claridade das claraboias do sangue?
Que sol incendeia teu adro e te eterniza as homilias?
Em que átrios grassa opulento canto dos capítulos ?
Em que flor gótica flameja as chamas de tua certeza?
Como sustentas os teus atos sem as escoras do medo?
De que pão nutres corpo possuído pelo espirito?
Em que lume alimentas o credo
de Cristo que espalhas no povo ?
Quem há de plantar a última pedra
Desta catedral eterna que se chama
HELDER CÂMARA ?
VITAL CORRÊA DE ARAÚJO
Recife/Olinda,
1984.