Vital não faz concessões
nem está à venda
a preços populares
cultiva o dolo e o cone
contra certezas burguesas
e convenções cruéis
a que submetem o poeta
em nome de sociologias rumorosas
fala da morte do cotidiano
nada humano, traste do dia
e da transitoriedade da descrença
de tudo que seja humano
vital poeta é superficial
não há fatos a relatar
nem relatos a fatiar
em seus poemas
ele arranca das pessoas
as almas tristes, calculistas
usurárias ocupadas do lucro de ser
vital é irrotulável e antipredicativo
seu poema é desconstrutivista
multiplicador de significados
máquina operária da palavra aparato
a abrir minas, fontes, sondas de significações
desgrupado, insulado, encastelado vital
o poeta ama a cama e o lápis
odeia convenções literárias
e achincalhe de palavras
de homens ocos perdidos no imo
de quartas-feiras cinzas.
Para ele poema não é sílaba enjaulada
rima amaneirada
ritmo mecanizado, andadura da palavra
a passo de metrônomo
tudo arrumado em estrofes conventuais.
Poema é ímpeto, sopro, liberdade
ritmo interior, verdade. TD
À noite o círio chora a vírgula desaba
e a lua mana derrota
círculos de velas pandas iluminam
mar de pedra, céu de chumbo
e pratas aviltadas, noite de sossegadas gredas
e incúrias municipais (aos trancos
e barrancos o cidadão, munícipe incompleto)
e abortos sustenidos e crases universais
em moedas mortuárias
o rosto percorrido por dedos esguios e fecundos
ou ruas errantes sob o acicate da cútis de cães
as alfândegas invioladas ainda
e gares fumegantes.
Jovens acirrados de música bruta
filtrada de megafones elefânticos
veias ocupadas por dragas de sangue
jovens debruçados no nojo e na derrota
almas sem camisa habitando janelas
desvairadas sob céus empalados.
Os feudos inesgotáveis da morte brotando
como sesmarias negras.
Cabides de salvas e cabeças de profetas na sala
onde jovens consomem tecnologias e fármacos raros.
O esplendor trêmulo, o túmulo pleno
a eternidade de sobrecasaca pajeando
o homem nu e o instante impuro.
Noite de greda, alcatrão e dor.
Lua de porcelana pousada no poste romântico.
(Tu, leitora, estavas no poema
a tarde estendida em teus braços nus
e a noite subindo a teus ombros jovens).
Mares de greda e silício alvo
feridos triunfos e rebeldias mornas
tudo conspirando contra o futuro
Vens de entre os cansados lázaros
de entre náuseas, pratos de larvas
pântano de vermes, grandes cadáveres.
Sereias equinas cavaleiras
a pentear as crinas brancas de ondas nuas
a esgrimir espumas e grinaldas de algas.
Madrugada no Castelo
escreví irrespeitável poema
sobre um tiro no rosto escuro
sobre o coagulado
brilho de um ângulo
e sonhei com cones
alvéolos e multifacetadas luzes
de manhã cedo.
Garanhuns/ 29.12.2012
{jcomments on}