03
Dom, Ago

destaques
Typography
  • Smaller Small Medium Big Bigger
  • Default Helvetica Segoe Georgia Times

Vital não faz concessões

nem está à venda

a preços populares

cultiva o dolo e o cone

contra certezas burguesas

e convenções cruéis

a que submetem o poeta

em nome de sociologias rumorosas

fala da morte do cotidiano

nada humano, traste do dia

e da transitoriedade da descrença

de tudo que seja humano

vital poeta é superficial

não há fatos a relatar

nem relatos a fatiar

em seus poemas

ele arranca das pessoas

as almas tristes, calculistas

usurárias ocupadas do lucro de ser

vital é irrotulável e antipredicativo

seu poema é desconstrutivista

multiplicador de significados

máquina operária da palavra aparato

a abrir minas, fontes, sondas de significações

desgrupado, insulado, encastelado vital

o poeta ama a cama e o lápis

odeia convenções literárias

e achincalhe de palavras

de homens ocos perdidos no imo

de quartas-feiras cinzas.

 

Para ele poema não é sílaba enjaulada

rima amaneirada

ritmo mecanizado, andadura da palavra

a passo de metrônomo

tudo arrumado em estrofes conventuais.

Poema é ímpeto, sopro, liberdade

ritmo interior, verdade. TD

 

À noite o círio chora a vírgula desaba

e a lua mana derrota

círculos de velas pandas iluminam

mar de pedra, céu de chumbo

e pratas aviltadas, noite de sossegadas gredas

e incúrias municipais (aos trancos

e barrancos o cidadão, munícipe incompleto)

e abortos sustenidos e crases universais

em moedas mortuárias

o rosto percorrido por dedos esguios e fecundos

ou ruas errantes sob o acicate da cútis de cães

 

as alfândegas invioladas ainda

e gares fumegantes.

 

Jovens acirrados de música bruta

filtrada de megafones elefânticos

veias ocupadas por dragas de sangue

 

jovens debruçados no nojo e na derrota

almas sem camisa habitando janelas

desvairadas sob céus empalados.

 

Os feudos inesgotáveis da morte brotando

como sesmarias negras.

Cabides de salvas e cabeças de profetas na sala

onde jovens consomem tecnologias e fármacos raros.

O esplendor trêmulo, o túmulo pleno

a eternidade de sobrecasaca pajeando

o homem nu e o instante impuro.

 

Noite de greda, alcatrão e dor.

Lua de porcelana pousada no poste romântico.

 

(Tu, leitora, estavas no poema

a tarde estendida em teus braços nus

e a noite subindo a teus ombros jovens).

 

Mares de greda e silício alvo

feridos triunfos e rebeldias mornas

tudo conspirando contra o futuro

 

Vens de entre os cansados lázaros

de entre náuseas, pratos de larvas

pântano de vermes, grandes cadáveres.

 

Sereias equinas cavaleiras

a pentear as crinas brancas de ondas nuas

a esgrimir espumas e grinaldas de algas.

Madrugada no Castelo

escreví irrespeitável poema

sobre um tiro no rosto escuro

sobre o coagulado

brilho de um ângulo

 

e sonhei com cones

alvéolos e multifacetadas luzes

de manhã cedo.

Garanhuns/ 29.12.2012

{jcomments on}

Murilo Gun

Advertisement

REVISTAS E JORNAIS