Não há porque duvidar
da severidade humana
mas porque duvidar
da humanidade do homem
cercado pela luxúria da ganância
e libidos aborrecidas no lábio
testemunha da impotente cópula
do remorso com a arrogância
porque poucas marcas restam
do eliotiano itinerário invencível
pelo peregrino Tâmisa (da morte pela água)
portando sermão de fogo (no punho do verbo tigre
do lampejo amordaçando os olhos)
numa noite de duvidosa lua e ar árido
céu enervado de nuvens terrosas.
Apetite não pode
satisfazer-se só pela carne
saciado como a matéria o é
pela mecânica ou pelo intervalo
ou pelo espírito de cal sutil coberto
ou cinzenta nuance apocalíptica que o encubra
é o que se lê da folha que Sibila
abandonou na tarde (e Tirésias viu como desígnio
do céu olímpico e pálido)
durante enterro do desespero
que rouxinóis escoltavam num voo bemol de pranto
féretro orlado de músicas de relva e cravos ferozes.
A catacumba era lírica
os mortos por água
poluída hirtos estavam como um inverno
(e observavam a tarde se decompondo abandonada).
Algum cadáver
que plantaste nalgum jardim leitora
não ou tão pouco casta
irá brotar e talvez dará
flores escuras, rosas velozes
Cão e Ursa juntos irão
desenterrar entranhas nuas
para consolação do futuro das constelações
que nos escapa entre dedos como água
num jardim de lilases ilusórios
e jacintos agonizando
só a claridade do remorso
e a chama (já extinta) dos mortos
permanecem entre covas de cravos ou lírios doentes
e extenuadas hastes de dálias deliquescendo.
Cada vez mais que extirparmos
o atemporal de nossas veias cruas
(e vidas menos)
cada vez que quebrarmos com primor
os dentes da temporalidade autêntica
mais alma se desola
mais sombra se arroga
se certeza da salvação se reduz
medo de ser aumenta
multiplica-se temor de viver
(quando é o morto que nos enterra
é que viver não tem sentido).
Futuro em breve será passado
criança será osso abandonado.
E a infância data protendida
destroço de uma vida
memória carnívora.
O conhecimentos do que virá
será teu martírio leitora curial curiosa
a hora não mais chegará a ti
pois não (ou já) desvelaste o maquinismo
da vida que é tempo (de pedra)
da vida que criaste dentro de teu corpo mãe e terra
tempo sepultado numa ampulheta corrupta
numa côncava armadilha dissoluta
se ao tempo cronológico
sobrepõe-se o simultâneo
perdeste teu sentido horário
leitora vazia (ou acrônica)
e não passas do trânsito
passageira do infortúnio.
Se tempo é convenção
morte é produto da mente.
Se Kant estuprou a camareira
(em Konigsberg) por que Lampe não o denunciou?
Sob tênues candelabros alemães.
O passado vive em cada rosto
existe e é minucioso trator da cútis
e o futuro nunca será promissor
mas estado de perda, dano, medo.
Potencial motor do fim.
A natureza humana é nossa derrota
(alienada como um anjo ou uma porta).
Vício estrada mais larga
todo salubre mera via estreita
dor companheira devota
temor ubíqua presença.
Vida merece ser vivida (não vívida)
morte único endereço certo.
(Entre as duas fatais datas
em tua lápide sulcada
leitora impotente
prefiras a última
que é a definitiva).
E quanto menor intervalo
menos dores te destinasses
mais perto teu ser estará (de não ser mais - ou menos).
Teu estar foi-se
ficou cansaço
de ser (nada).