No Ano-Novo de 1961, Hemingway, um frágil velhinho de 61 anos, de cabelos brancos, pálido, magro mas aparentemente muito melhor, teve permissão para ir a sua casa em Ketchum. Pediram-lhe que colaborasse com uma frase para um livro de recepção ao recém-empossado presidente John F. Kennedy, mas um dia inteiro de trabalho não produziu nada.
“Não funcioa mais”. Ele chorou. Chegou a primavera, e Hemingway, preocupado com alguma visão interna ou com a próxima revelação do nada, pareceu não vê-la. Pegou uma espingarda e dois cartuchos. Mary, sua esposa, que sofreu muito e deu mostras de uma rara coragem, conversou com ele até que seu médico local chegasse para tomar sua pressão diária. O médico convenceu Hemingway a entregar-lhe a arma.
Tornou a ser internado no hospital. Antes de entrar no carro que o levaria ao aeroporto, correu para o armário das armas e encostou uma espingarda carregada na garganta. Dominado, murmurou o tempo todo no avião a palavra “sequestrado”. O avião fez uma escala de reabastecimento, a meio caminho de Rochester, e Hemingway, aparentemente bem, saiu para esticar as pernas. Procurou freneticamente uma arma em toda parte, até mesmo nos porta-luvas dos carros estacionados. Tentou atravessar o caminho de outro avião que taxiava pela pista. Entregue novamente aos cuidados do dr. Rome, deu sua palavra de honra que não tornaria a tentar o suicídio. Sua demência assumiu uma forma muito dissimulada, em que revelava a insanidade à sua mulher e, aos médicos, o império da razão. Dr. Rome, para horror de Mary, achou que era seguro conceder-lhe alta. Voltando para Ketchum de carro, ela acompanhou o ressurgimento de seus medos irracionais. Almoçaram ao ar livre e tomaram vinho: ele estava convencido de que a polícia estadual o prenderia por carregar álcool. Preocupou-se com o lugar onde passariam a noite: Mary precisou telefonar para fazer reservas em moteis que, ela sabia, estariam totalmente vazios. De volta a Ketchum, ele estava mal-humorado, mas parecia resignado a viver.
Na manhã do domingo 2 de julho de 1961, acordou muito cedo, enquanto Mary ainda dormia, encontrou a chave do depósito onde estavam as armas, carregou uma espingarda de cano duplo que usava para caçar pombos, e a levou para o vestíbulo da frente da casa. Quando falou pela primeira vez ao telefone com Hotchner (biógrafo), ele se apresentara como o “doutor Hemingway”. Aquele que morre este ano está quites para o ano que vem. Devemos uma morte a Deus. No conto “Um lugar limpo e bem iluminado”, aparece uma oração: “Nada nosso que estás no nada, nada é o teu nome, nada o teu reino, seja nada a tua vontade tanto no nada quanto no nada”. Encostou os dois canos na testa e disparou. Toda a casa acordou com o barulho.
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