O ofício do poeta é o que de mais sagrado restou ao homem. Ele move a hóstia da palavra até que a saliva do verbo a envolva. E a traga a boca do mundo. O ato do poeta reflete-se a cada hora no corpo de sua alma. Ou no espelho indizível da palavra.
O ânimo poético é transformador. Aquém dele tudo torna-se prosaico, mera ou demasiadamente prosaico.
A palavra desafia o tempo rude que nos ronda. Ela já foi de barro em forma de lajota seca ao sol, o forno primitivo. Já foi talhada no papiro, árvore do Nilo. Já foi pergaminho e couro. Já foi velino, quase seda, quase etérea. Pele de feto de carneiro. Hoje é digital. Amanhã, prensas metafísicas a imprimirão no papel do espírito.
Porém, existem palavras más. Como guerra. Que não é uma palavra, é um gesto de horror. Retorno à condição animal.
É preciso fazer da palavra bandeira, Deus conosco, e do verbo, baioneta. Para expulsar a guerra e os guerreiros da arena da alma. Esses animais vendedores do espírito humano. Expulsá-los para sempre. Como Jesus, com gestos e palavras porretes, expulsou os vendilhões profanos do templo sagrado (nosso corpo, comercializado como batata ou pamonha).
Já se perguntou: é possível fazer poesia após o holocausto? Como adorno a essa questão adito: e após o onze de setembro negro? Ou ao sequente de uma mãe olhar um mulher fazer de sua filha saco de pancada? (Conforme narra Datena)
Depois da peste da fome e da cena mundial dos miseráveis, poesia pra quê? Para ser.
Se tudo o que vive tem a natureza da dor, por que adicionar mais sofrimento a nós? Porque somos.
O poeta resiste com a palavra em riste. Mas não serve a senhores nem a escravos. Só serve à palavra.
Ele brande a palavra em riste na ameia da página porque as muralhas do seu espirito são intransponíveis.
A poesia permite rigorosa purgação da angústia, bem como a revelação de toda verdade oculta.
A verdade ordinária, superficial, aparente tem a ver mais com a mentira de que com a poesia.
Poetas criam civilizações, universos, paraísos e infernos, a exemplo de Dante e Borges, irmãos na e pela palavra.
Por meio da leitura, essa arte desprezada, penetra-se nesse mundo retrátil e infinito, oculto e perpétuo, do poeta.
Bandeira exaltou a violência poética de certas expressões e palavras pejorativas.
Drummond revelou a energia, o teor e a alta carga poética de certas expressões comuns.
T.S. Eliot afirmou que cada revolução em poesia significa uma volta à linguagem (original) comum ou/e à revalorização desta. Portanto, poesia é linguagem serva do homem, ou seja, sempre a serviço da humanidade. Ancila e suprema.
A falta de poesia e do conhecimento humano originário que a sua carência acarreta, entre os jovens, principalmente, é que estende a estrada do vício, tanto da droga, do álcool, quanto da deterioração do espírito e das intempéries que acometem a alma do homem. Poesia é salvação, embora o poeta não seja um salvador, mas apenas um homem comum. O verbo é que é supremo, instrumento divino, desde o primal Fiat Lux.
Poesia é a arte da arte, a arte angelical por excelência: os daimons gregos são os anjos de hoje. Que instilam a poesia. O sopro que sai de suas narinas vira verbo.
A poesia, o sentido poético (o nono sentido) esclarecem os caminhos da vida, são luzes verbais, iluminações, trilhas de lâmpadas, indícios do futuro, diamantização do presente, arcas onde o passado dorme sono insepulto, que tem por lápide a máxima de Levi que Brennand adotou: O futuro tem um coração antigo.
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