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Dom, Jun

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Dedico a resgatar do pó, esmaecer a pátina rigorosa que encobre a poesia dos maiores poetas lusos do século XX, um do 3 ou 4 maiores,

investi no apoal magnífico da leitura múltipla da obra de Jorge de Sena, terreno em que poemas e ensaio revestem-se do mesmo alto valor literário.

 

É de frisar a felicidade do título, porque Jorge de Sena (15) é um Severo, Fecundo e consequente inventor de linguagens poéticas. Junto dele (no mesmo balaio magnífico), colocaria sem cismar Saint-John Perse, Jorge Guillén, Pound, Mauro Mendes, CDA e Bandeira, que é a fonte, o veio primal.

Todos nós, poetas, temos mentores, isso é óbvio. É assim que a tradição opera, renovando-se se não apodreceria, ou ficaria imobilizada como um espantalho de letras.

Aqui, se aplica como luva Lavosier: nada se cria, tudo de transformar. A poesia absoluta veio do veio da poesia relativa dos séculos idos e vindos. Figuras exemplares que nos incitam à leitura, nos indiciam no êxtase poético, nos leva ao milagroso abismo catártico, nos conduzem ao descobrimento, ao alumbramento, nos acumpliciam com a maior das belezas humanas: a literária. E esses mentores literários (um dos que cito e recito é Sébastien Joachim) ganham, não só nossa imaginação, mas nossa admiração, quase fanática. Ou mais do que isso.

No meu caso, além de Seferis, Pound e Eliot, vieram, muito antes, os 4 cavaleiros do sublime poético – que beira o apocalipse da palavra, catábase do verbo final.

Jorge de Lima, Murilo Mendes, José Gome Ferreira, o poeta militante, do elétrico lisboense (e da memória da palavra) que nos faz flutuar, e primeiro entre primeiros, Jorge de Sena.

A propósito de José Gomes Ferreira (que comecei a ler em Manaus, em 1972 – da laia da Zona Franca, desconhecido no resto do Brasil), descobrir um poema de 16F na Folha de Pernambuco, em 28/07/2004. O crítico e poeta luso Alexandre Pinheiro Torres foi quem me desvendou Zé Gomes, em 1980.

Para não dizerem que é Clube do Bolinha, incluo mais – não digo forte, mas direta influência teve em mim, marcas visíveis, clamorosas, mesmo ígneas, deixando em minha poesia: Natalia Corrêa (prima). E aqui Cecília Meireles.

A literatura é uma arte verbal, nunca se deve esquecer desse fato simples. É preciso ousar (como o ousam as meninas da FAMASUL). Continuamente criar o inusitado (não é, Sylvia Beltrão?), rebelar-se contra o estabelecido. Reagir contra nós mesmos, contra nossa incrível e desiluminosa complacência.

E ir frontalmente contra o pior inimigo (não é adversário!): o ambiente hostil à inovação. Contra os famosos e perversos princípios estabelecidos “in illo tempore”. O edifício da geração, um ou dois escapam. Em sínter, é vital renovar-se, se se quiser ser, ser poeta, poeta moderno, poeta poeta. Há uma tendência inata de se dormir sobre os louros. (E não esqueça que louro só serve para temperar arroz). Quando é preciso acordar. E comer palavras.

Para Jorge de Sena (JS), a obra literária consequente resulta de uma tomada de posição conjuntural, porém estruturada, no contexto de uma visão estética avançada, corajosa, jamais serve de correntes ou caminhos ínvios (e claros), cegos (ou com estrabismos), inconsequentes.

JS via as coisas no campo estético e na república estabelecida (e perpétua) das letras como nunca foram vistas antes e como devem ser: profundamente autênticas, mesmo inusitadas. Assim, ele nos ligou a maior lição, reforçando e experimentando o conceito de que a literatura e efeito do uso da linguagem. Ou seja, a poesia (o poético) nunca está no que se disse, mas no como dizê-lo. Ou melhor, o que interessa não é a mensagem, porém a forma da mensagem, porém a forma da mensagem (velho Jacobson).

Enquanto não nos despirmos (nós leitores), do preconceito e renegarmos as medíocres perguntas: o que o poeta quer, quis dizer? Como prévia da leitura do poema; não passa de leitor elementar, desqualificado. E exige leitor absoluto.

Ao que Valéry, secundando Rimbaud, respondeu ª eu quis dizer o que está escrito.

Enquanto persistir a atitude: qual a explicação do poema (sua serventia, serviçal que o poema brasileiro tem sido), não seremos nem bons poetas e piores leitores. O vício discursivo, especialmente numa terra de bacharéis (ia dizendo baixaria: ver o analfabeto funcional vigente), é fatal.

A linguagem é uma forma de apreensão do árabe do real (não da usura escrita), mas não do real que seja Proteu e Apolo. Nunca do real aparência, simetria com o natural claridade lógica, eminência parda. Mas o real absoluto (de Novalis), e real que seja Dionísio e Narciso (juntos).

Se a poesia não for o real absoluto, é sua cobiça (ou simulacros), disse Perse no discurso de Estocolmo, ao receber o Nobel de poesia.

Para JS, lídimo inventor de linguagem (que metamorfose ou linguagem lírica do século XX, o vocábulo é receptáculo escrupuloso da coisa que evoca e oculto: não é bisquit sonoro ou carne sem alma.

Jorge de Sena é um demiurgo que siderurgia a palavra, usinando sentidos, torneandos metáforas, arrancando chispas e fulgores de significações ricas e sonhos não pressentidos, em busca de uma nova gênese do poético (velho).

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Murilo Gun

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