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por Vital Corrêa de Araújo

CANTARES A SALOMÃO (CS) consiste num conjunto harmonioso de poemas que representam, não uma paráfrase, mas um comentário – e uma homenagem, ao CÂNTICO DOS CÂNTICOS, atribuído ao sábio poeta Salomão.

 

 

São cantares à Salomão (ao modo dele) e cantos dedicados ao rei bíblico, alicerçados no estupendo lirismo do livro sagrado, e que pretendem atiçar a atenção de todos para esses poemas eróticos da Bíblia.

São poemas feitos, como soe acontecer no âmbito do Clube, em mesas de bares, ao sabor de uísques e circunstâncias, em sóbrias sextas-feiras recifenses – e suas tardes eternas.

 

AB INITIO

Edgard Powell (EP), guru e demiurgo do CLUBE DOS 13, na sexta-feira 10.02.90, no Cais Leopoldo, (denominação poética ou cubística da Feijoada Real Leopoldo, em Boa Viagem) escreveu Cântico para Sulamita, canto que é pórtico e ponto de partida desta obra, deflagrando, portanto, a sequência que desemboca neste libreto, abarcando um espectro de tempo que vai até 29.12.92, e delimitando uma sagrada peregrinação aos bares das sextas-feiras de Boa Viagem (incluídas algumas axiológicas quartas-feiras, que é o dia que corta a semana ao meio).

 

O IMPULSO ÉBRIO

É justo observar que o reflexo báquico foi condicionante da execução deste projeto – e de outros, como os 9 volumes (cerca de 1.100 textos de poemas de circunstâncias, feitos ao acaso das tardes eternas de Boa Viagem, escritos sobre guardanapos de papel) dos quais três foram publicados pelo ESPAÇO PASÁRGADA, numa arrojada iniciativa editorial da também integrante do Clube, Ana Luiza Freitas.

A organização dos poemas não obedece à ordem cronológica de confecção, porque disposta em função de flagrar um diálogo entre poetas, de ambos os sexos, inspirado no Cântico Bíblico.

 

 

RAZÃO DO POEMA

O CLUBE DOS 13, sob a égide de EP, estabeleceu um programa onde a ênfase recai sobre a busca de restaurar o interesse pela poesia oriental, incentivando, entre os seus integrantes, o conhecimento da poesia árabe, hebraica, persa, chinesa, japonesa, ou seja, do complexo que denominamos “modo de produção asiático de poesia lírica”.

O exercício dessas formas mais que eternas de poemas: rubai, epigramas, haicais, tankas, waca, poemas chineses curtos, etc, balizado em líricos estupendos como Omar Khayyam, Salomão etc, foi a veia que nos levou a este livro CANTARES A SALOMÃO.

CS representa formalmente o acabamento desse projeto, na área do epigrama, e materialmente se propõe chamar a atenção de todos para os belíssimos poemas eróticos contidos no Antigo Testamento.

Isto porque o Cântico dos Cânticos, o cântico por excelência, embora seja o mais belo e poético livro do AT é, também, o mais desconhecido, para não dizer estranho.

 

O EROTISMO DO CÂNTICO

A todos fascina sua leitura, mas muitos o rejeitam (ou coram) diante da ousadia com que trata o corpo, o sexo e o amor.

A crueza do texto, o erotismo claro e profundo que o caracteriza faz com que se busque abrandá-lo, espiritualizando-o e dele extraindo exegeses (ou pasteurizações) religiosas que mascaram o seu teor erótico e carnal, ou atenuam sua força semêntica (de sêmen e semântica).

O neologismo semêntico advém de uma conjunção onde brilham unguentos, sêmens, suores, semânticas, sementes e óleos luminosos e carnais. A propósito, em hebraico sêmen significa óleo.

Biombos de símbolos, muros de máscaras, portas pesadas, trancadas a sete chaves hermenêuticas, cadeados de medo do sentido humano do amor erguem-se para conter a literalidade crua e ousada do Cântico dos Cânticos, esse monumento lírico – erótico, que sem, máscaras ou temores, trata do amor humano.

 

O AMOR COMO TEMA

A matéria-prima, o cerne e o real sentido do C.C é o amor em todos os seus aspectos, nuances e características.

É um livro bíblico, senão um dos mais importantes, o poético por excelência, que deve ser enfrentado, saboreado, redescoberto, porque é um índice e uma prova de humanidade intrínseca do livro divino, e uma expressão da erótica judaica de 3 mil anos atrás.

O QUE É O CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Trata-se de uma antologia de pequenos poemas eróticos ou amorosos, configurando um diálogo entre amantes, que perfaz ou contém uma estrutura dramática fascinante, penetrada de íntimo e alto lirismo.

 

O CÂNTICO E SEU CONTEXTO HISTÓRICO

Historicamente, o CC foi o instrumento da ruptura com a dominação dos sacerdotes (burocratas da religiosidade hebraica), que regiam (ou dominavam para não dizer domavam) o espírito religioso do povo, mediante um severo controle externo, montado na lei mosaica e calcado no culto vinculado ao Templo (o ministério no sentido de edifício burocrático, para supervisão da crença, equivalendo à Cúria Romana, hoje).

A ideologia do templo e do culto, posta pelos sacerdotes, implicava em que ofertas materiais e submissão espiritual tinham um valor religioso e função de restaurar as impurezas próprias do corpo e de suas secreções, como mênstruos, sêmens, salivas, suores do amor corporal, etc.

A desvalorização e o desprezo para com o corpo enchiam os bolsos do templo e os cofres dos sacerdotes.

 

O DESVIO

Soba máscara da religião, o Templo se transformava num banco (banco Vaticano hoje, antes de Francisco) operado por sacerdotes usurários da fé do povo judeu, caracterizando uma situação de claro estelionato religioso, que o Cântico dos Cânticos estigmatizou.

Mesmo a maternidade exigia purificação, sendo objeto de prescrições burocráticas, de ritos e formalidades vazias – e impura era a mulher que menstruava, cuja dívida só a menopausa suspendia.

 

O SENTIDO

É neste contexto que devemos avaliar o sentido do CC, com sua ênfase na beleza sensual e na valorização do corpo da mulher, dignificando-o e destacando a sua riqueza carnal, que lhe é inerente, em todos os tempos, por séculos, sem fim. Jamais. Amém. (Ave, mulher, e viva teu corpo, ab aeternum!)

O Cântico restaurou o valor do amor, a mais universal e vital experiência humana.

 

 

O AMOR É UMA FAÍSCA DE DEUS

Reabilitado o amor corporal e humano, vinculado ao amor divino, o Cântico afirma que “o Amor é uma faísca de Deus” e sustenta: “o Amor é tão forte quando a morte”.

Essas citações, que compõem o capítulo 8, versículo 5 a 7, do Cântico, corporificam o poema que é a “grã finale” de todo livro. Embora sem conter literalmente a palavra Deus ou mesmo Javé, simbolizam a relação entre o amor humano e divino. No versículo 6, é a Amada que fala: “grave-me como selo em teu coração, pois o amor é forte, como a morte!”

E cruel como o abismo é a paixão.

O amor do homem e da mulher é uma faísca de Deus.

 

SOBRE INTERPRETAÇÕES (OU MÁSCARAS)

Fora do contexto histórico que esboçamos, o Cântico apresentou um grave problema de aceitação como escritura sagrada, devido à crueza ou realismo de suas alusões ao sexo e ao amor natural!.

Incluido que fora – e mantido, pela tradição, no cânon bíblico, teve sua canonicidade posta sob dúvidas: no sínodo de Jâmnia, em torno de 90 d.C; discutida, a manutenção no cânon deveu-se à interpretação alegórica, sendo combatidos, por mais de mil anos, métodos interpretativos que se aproximassem da literalidade, como forma e reflexo de proteção canônica.

Além do estranho aspecto de que, no CC, em nenhuma parte, haja referência a Deus ou ao casamento, este livro se caracteriza pelas mais divergentes interpretações que o atravessam, ao longo dos anos.

Na interpretação alegórica, mais antiga, considera-se Javé, o amante, e Israel, a amada; os autores cristãos mantiveram a exegese judaica, considerando alegoricamente a relação amorosa como a núpcia de Cristo com a Igreja, ou a união mística da alma com Deus.

As interpretações ortodoxas do Cântico espiritualizam-no, e o amor humano é abstraído de sua realidade, reduzindo-se a uma divindade e uma instituição, num contexto em que o amor dos amantes – o amor de carne e osso – some, até que a exegese heterodoxa (profana) ou interpretação literal se impõe: o Cântico é uma antologia (e não uma coleção de poemas populares) de cantos amorosos para celebrar o amor humano, sendo o seu autor um poeta original e romântico.

O apóstolo João concilia as duas concepções, quando diz: “Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o Amor advém de Deus, e quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é Amor”.

E o sentido, que decorre naturalmente do texto do Cântico dos Cânticos, é o do amor do homem e da mulher abençoado por Deus.

A interpretação literal – que é a correta e a corrente, não minimiza a inspiração divina do livro, mas o humaniza, demonstrando que entre Deus e suas criaturas não há diferenças essenciais, que o amor, em quaisquer de suas fases ou nuances, não constitui pecado, mas é uma centelha divina ou uma necessidade apodítica.

Reducionismo é negar o amor, tal como é, e traduzi-lo como aliança política ou elevá-lo à cópula de abstrações. É negá-lo ao homem, travestindo-o de alegorias insensatas e forçadas.

 

RELAÇÃO DO CC COM CANTARES A SALOMÃO

CANTARES A SALOMÃO reúne poemas, senão totalmente elaborados, mas concebidos nos bares, em torno do objeto e da proposta de, usando imagens, metáforas, palavras, termos, comparações e epítetos de Salomão, comentar o canto bíblico, despertando a todos para sua riqueza lírica e amorosa, bem como, a partir do mote – que é o livro sagrado – e do poema-pórtico que é Canto para Sulamita, escrever poemas que sejam variações do tema bíblico.

 

A FORMA

A forma eleita, refletindo o original bíblico, foi o epigrama: quintetos, não necessariamente relacionados entre si, cada um encerrando reticências que absolutizam o sentimento dos poetas, tornando os poemas intemporais (inacabados ou eternos) como o amor que os move.

Se nos possuímos do amor de Salomão, também possuímos o amor que nos dá palavras e dita enigmas, para não dizer metáforas, hauridas da fonte de Salomão.

 

BALANÇO

Em resumo, o que fizemos foi comentar, em epigramas sinceros, o Cântico dos Cânticos, utilizando (ou reabilitando) suas belíssimas (embora esquecidas) figuras de linguagem, atualizando-o à nossa realidade íntima e vivenciando liricamente seus tropos e símiles, indizíveis, exprimindo, assim, o mistério carnal e espiritual do amor, que a cada um e a todos avassala e civiliza, embriaga e liberta, tornando-nos cada vez mais humanos nunca demasiadamente humanos.

 

O TEXTO DO CÂNTICO E SUA ESTRUTURA LITERÁRIA

A este livro ou álbum lírico do CLUBE, incorporou-se o texto original do Cântico dos Cânticos, em tradução esmerada, monitorada por EP.

O CC é um poema longo estruturado em oito cantos (capítulos), relacionando-se os quatro primeiros com os quatro últimos, à base de correspondências temáticas. Os cantos I e II estão em paralelo com os cantos VII e VIII, reforçando assim a noção de unidade do livro bíblico.

 

OFERTA

Ao leitor, oferecemos esses poemas bebidos da fonte de Salomão, como um convite ao degustamento do Cântico bíblico, livro lírico-erótico por excelência.

 

Recife/1985

Hemingway’s bar (Brasília Teimosa,

bar 25 DP, cais de barcos de pesca, antes

da pista que devastou o lírico local).

 

Vital Corrêa de Araújo

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