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Ter, Abr

destaques
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            Nuances são sinuosas e fungíveis, somem num átimo, dão-se ao nada, de súbito, logo, esfuma-se o rico e vasto cabedal de ângulos, visões, perceptibilidades inusitadas; perde-se, então, todo um universo de preciosos detalhes, de faces difíceis e dados poliédricos;

às vezes, deixam as nuances fugitivas um rastro, mas geralmente a extinção da nuance é completa, um minuto a deleta, um desolar do olhar flagrante a dispersa, deserta, para sempre, implicando em não sabermos de sua voraz e diminuta existência.

            A nuance perde-se, depauperada e pura, num lapso indecoroso de tempo, esgotando-se toda sua ágil arquitetura, que se desfaz, estruturalmente, em vaidades de grandes planos, em grotescos e furiosos troços ou corpos rômbicos, numa enxurrada de informações brutas, quantitativas, etc.

A captação ou rapto de uma nuance obedece a regras milenares e pacientes inscritas no imo da estirpe, a normas subjetivas, de tez oriental, a ritos de olhar, relâmpagos de lampejo, e crucial uso do bisturi mental adequado, que pince e disseque, sem danos ou sustos, tudo o que, de excesso, de rudeza, de gordura espiritual, envolva ou sonegue a nuance, sob pena de apanharmos uma ou duas montanhas de penas, a ver os pássaros desertarem de nossas ávidas e incompetentes mãos.

            A nuance é uma ave rápida, tímida, esconsa, dúbia, exata, sempre disfarçada daquilo que nada valha, e parece sem substância ou distinção. Embora o que a sustente seja menos físico que metafísico, mais supérfluo que necessário e muito mais insuficiente. Eis aí o que de sinuosidade prende a nuance ao espírito humano (que idolatra seu requinte do veneno abrupto e fatal). Lida-se com a sua fungibilidade pelo transitório da detenção ou captura pela mente, ou fugacidade absoluta de sua beleza ínsita.

            As nuances mais exatas ou delicadas, fortes embora leves, estão na natureza das coisas, no tempo animal, na vida dos sonhadores, v.g., uma prenda de crepúsculo, quando formoso é o matiz das cores, que coagulam a noite, ou nela copulam até o parto da aurora, quando o bebê do dia que vem dá o primeiro berro de cor, a cor dando o mundo (dormitante dos olhos e das mentes) e os cambiantes explodem, tomam de assalto o horizonte, e gradações pictóricas cercam os flancos do leste, com tons eróticos e rápidos.

            Resta a nuance incerta de um sorriso que promete ou desincite – e urge desvela-lo, expor sua verdade nuançante, podadas as devidas vendas. Por fim a nuance do canto de pássaros que admite colher o grau de doçura dos sons matinais, o big-bang da vida terráquea..

Murilo Gun

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