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Dom, Maio

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Cláudio Veras

A poesia viola (este o seu ofício) a linguagem utilitária, as regras sacras da gramática (esse bastião conservador, preservador, norteador, porém insensível da escrita), verdadeiro código de conduta da língua (via retórica, permite-se alguma amplificação, mas também imobiliza a escritura).

Viola como condição de ir à origem (do verbo poético), viola – porque viola por natureza e função, viola porque tal linguagem ordinária, comum (utilizando a forma prosa para comunicação em geral, e, em especial, de natureza literária e científica – filosófica etc) visa à manipulação da realidade. Objetiva dar destaque, ornamento, ênfase à linguagem ideológica, no sentido de preservar, pela simplicidade de comunicação e objetividade racional, a linguagem dominante (seus usos, costumes, limites) e o domínio direto, de modo que reproduzam (representem) a situação (e relações) de poder na sociedade. Esse status é regular e se caracteriza por imobilidade secular, posto que o conservadorismo da língua (como se esta fosse algo acabado, definitivo no atual estádio) é o objetivo. Verbi gratia, o neoparnasianismo no Brasil, desde o século XIX.

                Todo o esforço para desvendar e estabelecer a tecnologia e criar o pensamento científico (cujo objetivo, como o jurídico ou sociológico, é a comunicação racional e precisa), capaz de traduzir, por especialistas (não pelo mas para o povo) a linguagem cifrada (e abstrata) da ciência, caracterizado por um código terminológico puro, (o que já configura uma forma ideológica de utilização da linguagem para manipular e/ou esconder a realidade).

                Todo avanço cientifico é mediado por empresas que avaliam o momento adequado de pôr em prática (ou realce) – no mercado, a inovação.

                Há situações em que é patente a existência de outra e misteriosa realidade, porém o leitor (receptor em geral) não tem acesso direto a ela e à sua utilidade possível, porque o código habitual, a linguagem média, normal, não permite abordá-la. Instrumentais anacrônicos, como a rima, a medição de sílabas, estrofação e cia e outras “tecnologias” servem de muletas para que o poeta siga a risca os velhos e superados caminhos. Seja neutralizado. Persiste o jogo de salão do soneto (glosa, quadra, etc), a cargo, não do poeta popular (seu único depositário atual) mas de poetas “cultos” copiadores e imitadores egrégios.

                Eis que se impõe a indagação.

                Manter a literatura brasileira ajoelhada (amarrada com rimas e jaulas de sílabas e bátegas de trenas) a res do século XIX é salutar? Para quem? Para o mercado (livreiro ou universitário), para o conservadorismo – intolerante, empresarial, para as igrejas dominantes, para dominação perfeita e integral das mentes inocentes, para melhor orientar o consumismo, para, enfim, o confortável exercício de ser idiota na vitrine das vísceras do atraso?

                A poesia do significante (da forma) é substituída pela do significado (conteúdo), graças à obsessão de dizer, descrever, dar lição, comunicar, exibir o lavor, a capacidade aritmética do poeta.

                Como a realidade (quase física ou mesmo psicológica), que poeta se propõe abeirar, é literal, (ou aparente) somente pode traduzir-se via significados. A sociedade (na montagem do poder) envolve a realidade numa malha linguística operativa que a poesia absoluta se obstina em romper. Só alguma brecha, um ângulo, nuance rápida dessa realidade é entrevista, e poeta que o consegue melhora seu poema. E essa realidade intangível, inefável, leva à melhor poesia. O que é raro no Brasil, raríssimo, de hoje (desde o século XIX).

                A máxima dificuldade consiste em que o poeta desaba em seu propósito da poesia melhor, porque se propõe a captar algo aliteral, misterioso, novo, que ele flagra, percebe, porém, porém não alcança o objeto (o poema poema, forma) porque utiliza a linguagem cunhada, preparada, elaborada para o domínio (ou uso) utilitário.

                No caso de VCA, a saída foi enfrentar a situação estabelecida (sonetinada, rimada, poesia contada etc) e partir para desarnar, atuar na realidade mediata (não literal) e frustrar a utilidade do poema ,desde que ele opta (e sempre optou ao longo de seus cerca de 25 livros tal como o Prof. Carlos Newton Júnior perora) pelo enfrentamento poético da realidade indizível. E por isso faz uso inadequado dos temas, sintagmas, imagens, palavras para fugir da descrição obrigatória, tangível da realidade manipulada para fins ou interesses da usura do mundo. 

Murilo Gun

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