EDITORIAL ABSOLUTO PARA O JORNAL O MONITOR
Tales de Mileto foi, pode-se dizer, o primeiro filósofo e físico. A filosofia era a física da época. Que época? Milanos antes de Cristo. Mileto, próspera cidade da Ásia Menor, ilha do mar Egeu, pertencia à Grécia mais antiga.
A dos mitos ilógicos e supremos. Tales foi o primeiro astrônomo, o primeiro geólogo, o primeiro filósofo (da ébria e genial estirpe pré-socrática). Tales considerava a água como a matéria última ou causa primeira do mundo, a coisa (ou substância física) vital de que todas as outras foram feitas. O fato da matéria última das coisas não ser abstrata (até Parmênides) refletia a época de prosperidade econômica que atravessava as cidades jônicas. E não é que Tales tinha razão.
Todo o futuro do Brasil sairá pelo ralo seco, porque vai faltar água. Se para fazer uma calça jeans se gastam 11 mil litros d’água, é melhor comprar uma dúzia e guardar. Porque os tempos vindouros – a partir de agora, serão secos. A aridez chegará à alma? Se já não chegou, no Brasil.
O intróito sobre Tales, o filósofo da água, é sintomático do grave e profundo assunto que O Monitor abordará: a exaustão da água brasileira, como efeito da secura planetária, posto que se intensificou dramaticamente, no século XX, o desperdício, a contaminação, a poluição aquática e com o desmatamento o fim das chuvas regulares. Portanto: este editorial antecipa a sede, a agonia da água agonizando, o defluxo final e decifra a futura erosão da alma presentificada pelo vulgarismo do humano, a idiotez geral da mediocridade organizada, por ser o homem e a mulher atuais meros reflexos sexuais dos fatos (ou intestino dos vícios). A vida convertida em sedução sertaneja, o analfabetismo urbano e a precariedade de ser são fatos de homem atual (ou intestino da besta).
O último bastião é o rural. Que o camponês resista em nós, urbanoides deslumbrados com o lixo irreciclável de nossas almas. Em síntese, este editorial é meio apocalíptico. Trata do apocalipse líquido. A liquidação da água, sua exaustão, que revela a face árida da vida.
Não a morte (limpa) pela água de Eliot, Shakespeare, Shelley. Mas a morte (suja) pela falta da água. Virá enfim a sede absoluta.
Estamos impassíveis assistindo há mais de cem anos à morte dos rios ao redor, ao asfixiar das fontes, erosões crescentes, asseoramentos vastos, o desflorestamento do ser da terra, o ambiente apodrecendo com os nossos olhos, tudo em ritmo demente. A industrialização impecável e corrosiva transforma flores, pássaros, florestas, rios em moeda (de papel): eis ao que impassíveis e idiotas assistimos hoje. E como passivos a nossa sina está cada vez mais seca.
É a natureza a serviço do homem, a natureza terceirizada e não o homem a serviço do espirito em comunhão com a natureza que veio primeiro e nos gerou. Quando Adão chegou, já existia o Éden... e Eva começou a depredação.
A energia elétrica, a produção agrícola, a pecuária, a indústria em geral, a saúde, a limpeza, o comércio, a alimentação, tudo depende da água (em falta).
Daí, ser preciso uma conscientização imediata da população para o problema da água, de modo a criar de vez e imediatamente a cultura do uso racional e consciente dos recursos hídricos em penúria.
O desmatamento, a queima de canaviais (vide os milhares de incêndios provocados anualmente na Mata Sul), o desperdício (Compesa) e o uso imoderado da água, a poluição geral, os esgotos jogados aos rios (ver Palmares jogando porcarias em bruto no Rio Una. Tudo leva ao fator das alterações climáticas em geral, que redundam em falta ou excesso de chuva, criando-se condições que desembocam na situação atual: calor, falta de água, problema na geração de energia elétrica, insalubridade crescente etc.
É o apocalipse ecológico que se aproxima. É a morte ecológica (entropia na natureza) da humanidade que se preanuncia.
É chegada a hora do alinhamento, da cruzada, da mobilização, da consciência pelo partido do futuro não atroz e doloroso para nós e nossos descendentes.
A definição de cada leitor e seu posicionamento claro pela ecologia. Não como modismo meramente. Mas como algo vital à sobrevivência humana decente. E ai se inclui a componente social. Os que mais sofrerão (ou já o fazem) são os mais pobres mesmo a classe média brasileira, com as desventuras decorrentes do clima destroçado pela indústria humana.
Que tipos de ecologia? A ecologia superficial, abraçada pelos militantes dos movimentos ecológicos que defende a continuidade da exploração da natureza pelo homem, porém de modo moderado e de maneira minimamente inteligente. Ou a ecologia profunda (deep ecology) que inverte a proposta da superficial considerado o papel do homem como vital à solução do problema climático (que ira degenerar no apocalipse ecológico).
Essa posição ecológica avançada (à qual concitamos os leitoras a vestir a camisa) coloca ou inverte a posição do homem na problemática: é o homem que deve estar a serviço da natureza e por consequência da vida (natural, a que pertencemos). E não o contrário.
Imoderada e inteligentemente a serviço da natureza e da vida (nós) o Homem deve estar e posicionar-se. Para evitar o apocalipse líquido, em forma de falta absoluta de água. Vida à Natureza. Viva a Água.
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