15
Dom, Jun

Artigos
Typography
  • Smaller Small Medium Big Bigger
  • Default Helvetica Segoe Georgia Times

VCA

Roland Barthes dizia ter desejos de haicai, como de sexo ou chocolate, e reclamava do encantamento haicai, que o levava (ao gozo estético) a lê-los diariamente. Detinha uma coletânea haicai, à beira e à mão do criado mudo, disponível nas aulas, também.

Com o haicai, afirmava estar no ‘’Soberano Bem da escritura’’. Escrevi os textos Frases da lua (cerca de 49 páginas) e Flauta de pássaros, além de haicais doxos e heterodoxos     , na forma soberana do haicai (ou tercetos em riste, como um falo juvenil). Ocupam cerca de 100 páginas.

Osman Holanda Cavalcanti tem no prelo o livro Haicais Nordestinantes (Gráfica O Monitor), em que explora magnificamente o veio inédito de haicaiização do Sertão e Agreste Meridional de Pernambuco, utilizando cenas, situações, expressões, causos, costumes e mesmo a sensualidade (nada árida) sertaneja, tudo reduzindo a três versos sublimes: a soberana forma do haicai. Também haicaiíza a psicologia do árido e o amor luxurioso à terra nordestina (sina nossa de cada dia sublimado pelo sol altaneiro, firmemente atenuado pela garota lasciva e úmida, que é a garoa de Garanhuns). Dessa força, compõe haicais verdadeiros, de modo renovado e mesmo absoluto.

De minha parte (do ponto de vista antirrímico – que é como vejo a poesia), fabrico meus haicais sem metro ou rima, heterodoxalmente. e chamo Barthes à colação para apoiar meu desígnio e minha práxis poética.

Barthes dixit ser o haicai o amálgama de uma verdade instantânea com uma forma. O casório de um verbo com o instante (irrepetível, portanto concisamente instantâneo e irrecuperável da vida).

Ao mesmo tempo, critica a ‘’forma métrica’’, o modo parnasiano de escandir do haicai adaptado. As formas evoluem (estão situadas no tempo, diacronicamente inseridas no fluxo histórico evolutivo). A forma não é fixa, jamais. Não é uma espécie sincrônica. Diacronicamente considerado, a forma soneto é forma velha, arcaizada, superada, ampla ou totalmente.

A formalização poética centrada nas formas fixas teve seu auge (há centenas de anos), sofreu apogeu e declínio e hoje, agora, desde há cem anos, jaz superada, acabou e ninguém sabe.

In literis, Barthes, em relação ao haicai traduzido (em seu especial modo de escrita):

 

 

‘’O que nos consuma é um verso livre e

que muito nos agrada, apesar da

ausência métrica’’. E completa: o haicai

para mim é absolutamente humano’’.

‘’O terceto da forma haicai exerce sobre nós uma fascinação – não pela

métrica, o que seria impossível, mas

por seu (des)tamanho, sua tenuidade,

condensação expressiva, concisão absoluta. Isto é, metonicamente, pela geração com que ele gratifica o espaço (e o espírito)

do desejo – haicai, breve forma duradoura, eterna’’. ‘’Por excelência’’.

Chamo à colação, Osman Holanda haicaista por excelência. Transcrevo uma dúzia de haicais dele.

O mandacaru

Não dá sombra nem encosto

Popular dito.

Rolas arrulham

E sobre trêmulo galho

Acasalam.

Altos decibéis

Do funk e do rap

Salvem meus tímpanos.

A seca castiga

Na poeira da caatinga

Mimosa sucumbe.

Almoço haicai com pimenta

Quando degusto sublime

Concisão do poema.

Seca inclemente

No sertão de Padre Cícero

É a única estação.

(O que diria Rimbaud? VCA)

Eu cerro os punhos.

Clamo por um mundo justo!

Ó Deus, onde estais?

(O que lembra Castro Alves)

Convulsa hediondez

mar enjaulado espuma

Ébrio entre abrolhos.

Tudo é silêncio

Quieta cidade dorme.

Ambições recolhem-se.

Tudo é mentira

Salvo a piedosa verdade

Que afaga e apedreja.

Retiro das Águias

O centro do universo

Éden da ecologia.

(Último bastião? VCA)l

Ventos cantarinos

Nas colinas agrestinas

Chuva de verão.

Sente-se o verbo osmaniano completo no haicai. Sua apoteose poética. A chama de desejo (erótico) pela palavra propagando-se como tempestade, pelas páginas de seu poemário tercetista. Trata-se de um produção – não a cargo de profissionais, nem meramente amadora, mas decorrente (posto ele ser de Correntes – correntino como o rio Mundaú) da vontade da palavra imperiosa e do desejo vertiginoso de verbo, arranjados em estrofes de três magras palavras. Em Osman H, flagra-se o inteiro desejo e ardente do haicai, pulsão irresistível despertada pela loucura da palavra. A poesia como programa de vida (o haicai como desejo satisfazendo-se, a saciação da vida pelo verbo nordestinante de Osman Holanda, haicaista do Agreste).

São anotações fugitivas, transições de estações verbais (atadas à estação bipolar - mas não esquizofrênicas  do tempo nordestino – inverno e verão). Em Osman Holanda, o haicai é produzido pelo deslumbramento de uma memória pessoal involuntária e assistemática (cf. Barthes)

Em suma, uma luz zen (de uma lâmpada Satori) ilumina Osman em sua lida com a palavra na batalha do haicai – que ele vence (mesmo a Alemanha, de goleada poética).

{jcomments on}

 

 

 

Murilo Gun

Inscreva-se através do nosso serviço de assinatura de e-mail gratuito para receber notificações quando novas informações estiverem disponíveis.
Advertisement

REVISTAS E JORNAIS