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Dom, Jun

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Minha poesia é desconforto impune, o desvario da palavra nela se instala sem trégua e com toda a infâmia que a hesitação e o ignoto destilam.

A página é o etéreo mármor onde desgraço o branco, com garatujas e algaravias incontáveis, inconcebíveis, e insucessivas, seja como for, não é recomendável para não-crianças (a cativam – crianças – pelo frescor da mente ainda não contaminada de perversas convenções e obrigações ou dogmas vérsicos, lamentáveis).

 

 

Irrefletida e inobjetiva, não obstante objetiva a irreflexão profunda do leitor (im)provável, e isso é o que conclama criança a lê-la sem ira, desde que poesia não é para dizer o óbvio e ulular sentimentos. Recordo (e concordo) com o bendito romeno Cioran: “quando estamos a mil milhas – longas léguas – da poesia, ainda dependemos dela por essa súbita necessidade de uivar – último grau do lirismo”.

Minha poesia é tão desesperada que de tão superficial é inaudita, de tão epidérmica e intalentosa é sublime (por falta de adjetivo), diz o Professor Joachim, literator, a quem devo a respiração poética. Ela é tão... que a rés-do-chão lançam-na os leitores machos e pagãos, os críticos ectoplasmáticos e herbívoros, a laia de zoilos, os últimos ressentidos da cidade, e os hebdomadários provincianos e os hiperbóreos ainda engravatados, que se apregoam leitores sem botões, de espírito impraticável para a Literatura.

Com a palavra, como poeta desta poesia de pé-cabeça, não tergiverso (mas versículo ou com o verso especulo antibursaticamente) nem condescendo com o tal de leitor, que detesto, à exceção só (além da ingenuidade original e em flor) da imortal leitora, nunca hipócrita, que persigo e acalento, como a uma bússola um barco bêbado.

Escrevo, pois, para desconforto e assombro e dúvida e perturbação e incredulidade e vôo e raiva e irritação e orgasmo intelectual (com eventual peristaltismo de quem nela imirja sem protetores inconvencionasi), e para desconforto, pois, cru, do leitor que nela busque catarses fáceis e facilidades rítmicas.

Um parêntesis. Quando digo que de imediato mudo qualquer verso que um leitor (?) admite entender, numa sôfrega leitura, não significa que poema não pode ser entendido, mas que é preciso ser degustado, como um acepipe de palavras, e decifrado como um enigma verbal – de órfica ressonância. Se se aceita o tempero e os ingredientes, à primeira mordida do olhar, é que o prato de palavras não contém poesia – é prosaico e indigesto – é algo meramente culinário, nunca literário (desculpem a rima). Se o poema é deglutido, digerido, assimilado, na hora, não tem valor nem sentido. É coisa de prosa mesmo. Fecha o parêntesis.

 

Me nauseia qualquer artesania poemática, desdenho todo tecnicismo (que vise aprisionar o sentimento em gaiolas métricas perfeitas com algemas de rimas ricamente buriladas de cálculos irretorquíveis), desprezo o lavor herdado anacronicamente do parnasianismo -  que Deus, que o levou, guarde. Profundamente, digo, não sei bem o que faço em poesia, não entendo minha poesia, e, se isso a torna impessoal, é o que pretendo ou, mesmo sem o saber, consigo (contigo leitora, com vós, ó crianças, do meu deslumbramento).

 

Meus versos rasos sobre os quais derramo o desprezo das fôrmas é irrevelador de minha desartesania e do meu desconhecimento das profundidades da versificação, essa ciência (exata, pois também matemática) que possibilita a arte poética. E como tal servem meus poemas a desarrumar, desnortear, desrumar a poesia pernambucana, infelizmente.

 

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Murilo Gun

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