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O impassível crítico e ensaísta dos melhores da atualidade e professor de literatura comparada em Genebra, Georges Steiner (de quem li, reli, tresli sete de suas obras mais recentes) define, situa otimamente literatura, ou seja, sua extrema serventia: “libertar a linguagem da utilidade imediata e da necessidade (obsessiva como a têm os poetas) única de comunicação; ela eleva a palavra à palavra acima do discurso comum”.
A prosa, para Steiner, é “o uniforme vestido pelo espírito para fazer o trabalho de todo dia”. A questão complexa da prosa poética é encarada pelo francês como algo vinculado à modernidade. Daí a razão das grandes tragédias (desde Sófocles e Shakespeare) serem postas em versos com a finalidade de separá-las da vida comum, do cotidiano prosaico. O verso simplifica a pintura da realidade, enquadra bem a catarse, elimina as trivialidades da vida (para que não contaminem o trágico, e o desmoralize) mantendo o leitor à distância (em face da condição de máscara do aparente de que se reveste o verso). A prosa cai bem no caso da comédia. Porque evita qualquer metafísica (e humor metafísico não faz rir).
Em Lear, Shakespeare, na cena da loucura do rei, utiliza a prosa. Por quê? Ele precisava de algo que bem exprimisse atos de um louco, e para isso o verso não cabia bem, pois somente a desestruturação da sintaxe (para o poema algo quase normal) e o enlouquecimento do ritmo (também algo indistinguível do poema) que o verso não poderia expressar, a prosa o faria distinguivelmente. Para exprimir em palavras a loucura a prosa é magistral. O lirismo delira, porém a prosa exprime melhor a loucura.
G. Agamben, fala – e bem, também sobre prosa: “O mundo da prosa é o mundo no qual o dinheiro conta (e o romancista é o único que conta dinheiro, desde Balzac, Flaubert e Victor Hugo); e o reino da prosa na literatura do Ocidente coincide com o desenvolvimento das relações econômicas modernas, durante o século XVII”. Quando os fatores econômicos importam, o trágico passa a ser a ruína financeira e as guerras, por razões monetárias, pelo “belum” mercado. A literatura de ficção em prosa e o teatro representam cenas em que atuam forças sociais (e automaticamente econômicas) em confronto. É o começo do fim da protagonia do verso.
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